O Tema 6 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece os critérios para a obrigatoriedade de o Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) fornecer medicamentos, especialmente os de alto custo, a portadores de doenças graves que não possuem condições financeiras para adquiri-los, mesmo que tais medicamentos não constem das listas oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS).
A decisão proferida no RE 566471 (leading case) buscou equilibrar o direito fundamental à saúde e à vida com a necessidade de preservar a sustentabilidade das políticas públicas de saúde, estabelecendo requisitos cumulativos e rigorosos para a concessão judicial de medicamentos não incorporados pelo SUS. O tema representa um marco na judicialização da saúde no Brasil, detalhando as condições para a intervenção judicial no fornecimento de fármacos.
Fundamentos
- Constituição Federal de 1988 (CF/88):
- Art. 2º: Princípio da Separação dos Poderes (relevante para a análise da atuação judicial em políticas públicas).
- Art. 5º, caput e I: Direito à vida, à igualdade, e à dignidade da pessoa humana.
- Art. 6º: Direito à saúde como direito social fundamental.
- Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
- Art. 198, §§ 1º e 2º: Diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a descentralização, atendimento integral e participação da comunidade.
- Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde):
- Art. 19-M a 19-U: Tratam da incorporação, exclusão e alteração de novos medicamentos, produtos e procedimentos pelo SUS, e do papel da CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). Especificamente:
- Art. 19-Q: Prazos para a CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) apreciar pedidos de incorporação.
- Art. 19-R: Critérios para a incorporação.
- Art. 19-M a 19-U: Tratam da incorporação, exclusão e alteração de novos medicamentos, produtos e procedimentos pelo SUS, e do papel da CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). Especificamente:
- Lei nº 12.401/2011: Alterou a Lei nº 8.080/1990 para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do SUS.
- Decreto nº 7.646/2011: Regulamenta a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC).
- Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015):
- Art. 489, § 1º, V e VI: Requisitos de fundamentação das decisões judiciais.
- Art. 927, III, § 1º: Dever de observância dos precedentes judiciais e fundamentação da superação.
Enunciados
- Tese Fixada no Tema 6/STF (RE 566471):
- “A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde – SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo.”
- “É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:
(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1234 da repercussão geral;
(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e
(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.” - “Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente:
(a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo;
(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e
(c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.”
- Enunciados das Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): Diversos enunciados tratam da judicialização da saúde, muitos deles anteriores à tese do Tema 6/STF, mas que demonstram a evolução da discussão (ex: Enunciado nº 2, I Jornada). A tese do STF, contudo, possui força vinculante e detalha os requisitos de forma mais precisa.
Jurisprudência
- Leading Case:RE 566471/RN
- Relator: MIN. MARCO AURÉLIO
- Tribunal: Supremo Tribunal Federal
- Ementa (trecho relevante da tese): A tese fixada, conforme detalhado acima, estabelece os parâmetros para o fornecimento de medicamentos não incorporados pelo SUS.
- Referência a outros temas:
- Tema 1234 de Repercussão Geral – Necessidade de prévio requerimento administrativo para ações contra o Poder Público: Mencionado no item 2(a) da tese do Tema 6, referente à exigência de negativa administrativa prévia.
Doutrina
O dever do Estado de fornecer medicamentos e a judicialização da saúde são temas exaustivamente debatidos pela doutrina brasileira, sob as perspectivas do Direito Constitucional, Administrativo e Sanitário.
- Barroso, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas. Ed. Renovar. (Discute a força normativa da Constituição e a concretização de direitos sociais).
- Sarmento, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Ed. Lumen Juris. (Aborda a eficácia dos direitos fundamentais, incluindo o direito à saúde, e a judicialização).
- Ávila, Humberto. Teoria dos Princípios. Ed. Malheiros. (Fornece subsídios para a ponderação entre princípios constitucionais, como o direito à saúde e a reserva do possível).
- Dallari, Sueli Gandolfi; Nunes Júnior, Vidal Serrano. Direito Sanitário. Ed. Verbatim. (Tratam especificamente das normas e políticas do SUS e da judicialização).
- Figueiredo, Mariana. Direito à Saúde. Ed. Quartier Latin. (Analisa os contornos do direito à saúde e as responsabilidades estatais).
A doutrina majoritária reconhece o direito à saúde como fundamental, mas debate os limites da intervenção judicial, a importância da medicina baseada em evidências, o papel da CONITEC e a necessidade de critérios para evitar o comprometimento das políticas públicas e do orçamento do SUS. A tese do Tema 6 é vista como um esforço do STF para sistematizar e racionalizar essas decisões.
Correlato
- Direito à Saúde — é o direito fundamental que alicerça a discussão sobre o dever do Estado
- Sistema Único de Saúde (SUS) — é o sistema público responsável pela formulação de políticas e dispensação de medicamentos
- Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) — órgão central na análise e decisão sobre a incorporação de medicamentos no SUS, cuja atuação é um dos critérios do Tema 6
- Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) — uma das listas oficiais do SUS que, em regra, orienta a dispensação de fármacos
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) — o registro do medicamento na ANVISA é um pressuposto para sua eventual concessão judicial, mesmo que não incorporado ao SUS
- Medicamento de Alto Custo — categoria de medicamentos frequentemente objeto de demandas judiciais devido à incapacidade financeira dos pacientes
- Judicialização da Saúde — fenômeno social e jurídico no qual o Tema 6 se insere, buscando estabelecer parâmetros para a atuação judicial
- Princípio da Dignidade da Pessoa Humana — fundamento constitucional (art. 1º, III, CF/88) que ampara o direito à saúde e à vida
- Princípio da Reserva do Possível — argumento de limitação orçamentária frequentemente invocado pelo Estado, que deve ser ponderado com o Mínimo Existencial
- Mínimo Existencial — núcleo de direitos fundamentais essenciais para uma vida digna, incluindo o acesso a tratamentos de saúde indispensáveis
- Medicina Baseada em Evidências — critério técnico-científico exigido pela tese do STF para comprovar a eficácia e segurança do medicamento pleiteado
- Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS) — órgão de assessoramento técnico que deve ser consultado pelo Judiciário em demandas de saúde, conforme a tese
- Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) — principal diploma legal que estrutura o SUS e regulamenta a incorporação de tecnologias em saúde
- Tema 1234 de Repercussão Geral – Necessidade de prévio requerimento administrativo para ações contra o Poder Público — estabelece a necessidade de prévio requerimento administrativo, requisito para a concessão judicial de medicamento conforme o Tema 6
- Código de Processo Civil — suas normas sobre fundamentação de decisões e respeito a precedentes são invocadas na tese do Tema 6
- Políticas Públicas de Saúde — a decisão do STF visa também a proteger a racionalidade e a sustentabilidade dessas políticas