Multa por Agravo Interno: TST afasta aplicação automática do art. 1.021, § 4º, do CPC

Decisão do TST reitera que a multa por agravo manifestamente improcedente exige comprovação de má-fé ou intuito protelatório, não sendo decorrência automática da improcedência.

Trata-se de Recurso de Embargos em Agravo de Instrumento interposto pela Embargante contra decisão que favoreceu o Embargado. A Embargante opôs os embargos contra uma decisão da Turma que negou provimento ao agravo por ela interposto e lhe aplicou uma multa, com fundamento no art. 1.021, §4º, do Código de Processo Civil (CPC). A decisão da Turma registrou a intranscendência jurídica, política, social e econômica das matérias veiculadas no apelo trancado, que eram pertinentes à negativa de prestação jurisdicional do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e à justa causa. Além disso, a Turma registrou a incidência das Súmulas 23, 126 e 296 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como óbices processuais. A Turma, ao aplicar a multa, considerou o recurso manifestamente improcedente.

A discussão central para a admissão dos Embargos por divergência jurisprudencial residia na interpretação do art. 1.021, §4º, do CPC. Enquanto a Turma entendeu que o recurso manifestamente infundado implica na incidência da multa, o aresto colacionado, oriundo da 2ª Turma do TST, de relatoria da Ministra Maria Helena Mallmann (ED-Ag-AIRR 11156-22.2015.5.03.0043), sustentou que “a mera interposição de agravo pelas reclamadas contra a decisão monocrática proferida pelo relator não pode ser considerada manifestamente improcedente exclusivamente em razão da votação unânime, pois é o recurso próprio e legalmente previsto para impugnar tal decisão, imprescindível, inclusive, para interposição de recursos ulteriores. É necessária a evidência, em decisão fundamentada, do manifesto intuito da agravante em protelar o encerramento da demanda, o que não se constata na hipótese”. Diante da controvérsia, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST entendeu pertinente alçar o debate à sua análise para uniformizar a matéria.

Fundamentos

A controvérsia jurídica em questão gira em torno da aplicação da multa prevista no art. 1.021, §4º, do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece a condenação do agravante ao pagamento de multa quando o agravo interno for declarado “manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime”.

Para compreender a amplitude da discussão, é fundamental analisar a terminologia jurídica empregada:

  • Agravo Interno: Conforme o art. 1.021 do CPC, é o recurso cabível contra decisão proferida pelo relator, visando a apreciação pelo respectivo órgão colegiado. Este recurso permite que a parte leve ao colegiado o exame das razões do seu recurso denegado monocraticamente.
  • Decisão Monocrática: É a decisão proferida individualmente por um relator, sem a necessidade de apreciação por um órgão colegiado. No âmbito do TST, o Regimento Interno (RITST), em seu art. 255, confere ao relator a possibilidade de denegar o agravo de instrumento. Similarmente, o art. 932 do CPC estabelece as incumbências do relator, incluindo a de negar provimento a recurso que for contrário a súmula, acórdão proferido em recursos repetitivos, ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.
  • Manifestamente Inadmissível ou Improcedente: O cerne da questão reside na interpretação dessa expressão. O acórdão enfatiza que “manifestamente” remete a algo “claro e transparente”, indicando um “total descaso da parte na utilização do recurso com requisitos básicos de admissibilidade de seu apelo”. Exemplos citados são a interposição de agravo interno contra acórdão, ou a ausência de impugnação dos fundamentos da decisão agravada. No contexto da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a aplicação da multa “não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime”. É imprescindível que a oposição do agravo ocorra de “forma abusiva ou protelatória” , sendo necessário que a “simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória”.
  • Caráter Protelatório ou Abusivo: A decisão salienta que a mera interposição de agravo ou o fato de a decisão ser unânime não autoriza a imposição de multa. É preciso que o julgador, ao aplicar a multa, “o faça levando em consideração o teor das alegações da parte e da matéria recursal trazida, não sendo suficiente a afirmação de improcedência do recurso ou de ser infundado ou improcedente, aplicando multa à parte de forma automática, sem definir as razões pelas quais, na interposição de recurso, se portou com abuso ou interesse protelatório”. O fundamento da decisão embargada, de se tratar de recurso infundado ou improcedente, “não tem per se indicação de má-fé da parte ao recorrer, de intuito procrastinatório ou abuso no ato de recorrer, sob pena de se afastar do princípio que assegura o acesso à jurisdição”.
  • Princípio do Acesso à Jurisdição e Ampla Defesa: A reflexão sobre a aplicação da multa deve ser abrangente, considerando o princípio do acesso à jurisdição. A necessidade de esgotamento dos recursos para que a matéria seja elevada à instância recursal impõe à parte a interposição do recurso adequado, sob pena de inviabilizar o acesso à jurisdição, em ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, nos termos dos arts. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal. A interposição do agravo é vista como um requisito para o esgotamento das instâncias, condição para o acesso à jurisdição superior, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF).
  • Obrigatoriedade da Fundamentação das Decisões: O acórdão ressalta que o art. 1.021, §3º, do CPC veda ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno. Portanto, a aplicação da multa sem a devida fundamentação que demonstre a conduta protelatória ou abusiva da parte recorrente, ou sem a síntese das razões da parte, não pode ser aceita sem ofender o princípio da obrigatoriedade da fundamentação das decisões.

O acórdão cita jurisprudência do STJ (EDcl no AREsp n. 1.984.222/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022) que reforça a não automaticidade da multa, exigindo que a interposição do recurso seja considerada abusiva ou protelatória. A decisão do TST também menciona a interpretação do art. 932, IV e alíneas, do CPC, que busca celeridade processual em casos de recursos contra jurisprudência já firmada nas Cortes Superiores, onde a improcedência pode ser “manifesta per se“. No entanto, mesmo nesses casos, é fundamental que o relator indique claramente o fundamento da denegação para caracterizar a “manifesta improcedência”. O art. 255 do RITST também é mencionado para exemplificar a inadmissibilidade manifesta, como a ausência de transcrição do trecho da decisão que prequestiona a matéria recursal, caso em que o art. 1.021, §4º, do CPC poderia ser aplicável mediante a indicação do óbice processual.

Decisão

Os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, decidiram conhecer dos Embargos por divergência jurisprudencial. No mérito, também por maioria, deram provimento aos Embargos para excluir a multa do art. 1.021, §4º, do CPC, que havia sido aplicada à reclamante pela Turma.

A decisão implica que a aplicação da multa prevista no art. 1.021, §4º, do CPC, não é automática e não pode ser imposta apenas em razão da improcedência do agravo interno, mesmo que em votação unânime. Para a sua incidência, é indispensável que a parte recorrente tenha agido de forma abusiva ou protelatória, com manifesto intuito de procrastinar o encerramento da demanda ou de utilizar o recurso de maneira inadequada. A simples ausência de sucesso na demonstração da transcendência da causa ou na viabilidade do recurso de revista não é, por si só, suficiente para caracterizar a má-fé ou o abuso do direito de recorrer.

A exclusão da multa fundamenta-se na compreensão de que o acesso à jurisdição e a ampla defesa são princípios constitucionais fundamentais. A interposição do agravo é um meio legalmente previsto e, em muitos casos, necessário para exaurir a instância e permitir o acesso a recursos ulteriores, inclusive nas instâncias superiores. Portanto, a penalidade não pode ser aplicada de forma automática, sem que o julgador fundamente especificamente as razões pelas quais a conduta da parte foi abusiva ou protelatória.

O acórdão ressalta a importância da fundamentação das decisões, vedando ao relator a mera reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno, conforme o art. 1.021, §3º, do CPC. No caso concreto, a decisão da Turma que aplicou a multa limitou-se a afirmar a intranscendência das matérias e a subsistência dos óbices processuais (Súmulas 23, 126 e 296 do TST), sem, contudo, traçar os elementos da conduta abusiva ou protelatória da reclamante. A Turma sequer aludiu à transcrição da decisão negativa de admissibilidade do TRT ou procedeu ao relatório das alegações da parte.

Assim, o provimento dos Embargos pela SDI-1 do TST reforça a necessidade de uma análise cautelosa e proporcional na aplicação da multa do art. 1.021, §4º, do CPC, exigindo a demonstração inequívoca do dolo ou da má-fé processual do recorrente, em consonância com a jurisprudência consolidada do STJ e os princípios constitucionais que regem o processo judicial. A decisão uniformiza a interpretação da matéria no âmbito do TST, garantindo a segurança jurídica e a coerência na aplicação da penalidade.

Referências

TST-E-Ag-AIRR-101425-23.2016.5.01.0013, SBDI-I, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, julgado em 9/2/2023.