União questiona fornecimento de Canabidiol pelo SUS

A União Federal interpôs agravo de instrumento contra decisão que a obriga a fornecer Canabidiol a menor com sequelas de infecção congênita por Zika Vírus. Alega a necessidade de perícia médica e a ausência de evidências científicas sobre a eficácia do medicamento, além de defender a reserva do possível e a existência de tratamentos alternativos no SUS.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União em face de decisão que determinou o fornecimento do medicamento Canabidiol Prati-Donaduzzi 20 mg/ml em favor de um menor, representado por sua genitora, para tratamento de sequela de infecção congênita por Zika Vírus, com microcefalia, hidrocefalia, paralisia cerebral quadriplégica espástica e epilepsia de difícil controle.

Fundamentos

A União argumentou que o prazo concedido para cumprimento da determinação era insuficiente, não havia evidências científicas comprovadas acerca da eficácia do medicamento, e que era imprescindível a realização de perícia prévia como requisito para a concessão do fármaco. Alegou ainda ofensa ao postulado da reserva do possível e que a CONITEC avaliou a incorporação do Canabidiol 200mg para tratamento de epilepsia refratária em crianças e adolescentes refratários aos tratamentos convencionais. Sustentou a existência de tratamentos alternativos fornecidos pelo SUS e que a parte não atendeu aos requisitos do Tema 500 do STF para concessão de medicamentos não registrados na Anvisa. Defendeu a necessidade de dilação do prazo para cumprimento da determinação para, no mínimo, 60 dias, e a exclusão da multa imposta, ou, caso mantida, a redução do valor diário. Por fim, requereu a divisão dos custos advindos do cumprimento da decisão entre os integrantes do polo passivo.

O Desembargador Relator, Carlos Augusto Pires Brandão, refutando os argumentos da União, destacou que a saúde é direito de todos e dever do Estado, nos termos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, e que o postulado da reserva do possível não se aplica a demandas de saúde.

Esclareceu que o Tema 500 do STF, que dispõe sobre o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, não incide sobre o caso em questão, pois o medicamento em discussão possui autorização de importação, sendo regido pelo Tema 1.161 do STF.

O Tema 1.161 do STF prevê o fornecimento de medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS.

No caso em análise, o medicamento possui autorização de importação emitida pela Anvisa e autorização para comercialização no Brasil, o que supre a ausência do registro. Ademais, os requisitos do Tema 1.161 do STF foram cumpridos em sua integralidade, visto que a incapacidade econômica da parte resta presumida por ser assistida pela Defensoria Pública da União e o medicamento ser de alto custo, além de não haver substituto terapêutico com registro no Brasil.

O relator também afastou a necessidade de perícia prévia, considerando que o Tema 1.161 do STF não a exige como requisito para a concessão judicial de medicamentos da espécie, e que os autos contam com documentos elucidativos suficientes a demonstrar a necessidade do tratamento pelo paciente, nos termos dos artigos 464, § 1º, inciso II, e 472 do Código de Processo Civil.

No que tange à multa imposta, o relator a afastou, sob o fundamento de que não houve comprovação de recalcitrância da parte recorrente no cumprimento da decisão judicial, e que, ao contrário, há provas do efetivo cumprimento da decisão.

Por fim, o relator declarou a possibilidade de rateio dos custos da medicação com o ente estadual, caso o financiamento do fármaco não seja de competência exclusiva da União, conforme as normas que regem o Sistema Único de Saúde, com ressarcimento a ser feito exclusivamente na esfera administrativa, nos termos do Tema 1.234 do STF.

Decisão

Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu parcial provimento ao agravo de instrumento para excluir a multa imposta e declarar a possibilidade de rateio dos custos da medicação com o ente estadual, caso o financiamento do fármaco não seja de competência exclusiva da União, conforme as normas que regem o Sistema Único de Saúde, com ressarcimento a ser feito exclusivamente na esfera administrativa.

Referências

TRF1 – AI 1044293-67.2023.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Carlos Augusto Pires Brandão, em sessão virtual realizada no período de 03 a 07/02/2025.