REsp 2.006.687-SE


Assunto/Tema Central: Inaplicabilidade das regras de caducidade dos decretos de desapropriação por interesse social ou utilidade pública (Decreto-Lei nº 3.365/1941 e Lei nº 4.132/1962) aos atos de criação de unidades de conservação de domínio público (ex: parque nacional), em razão da especialidade e superveniência da Lei do SNUC (Lei nº 9.985/2000), que estabelece um regime próprio para o interesse ambiental na desapropriação.
Palavras-chave: Direito Ambiental, Unidade de Conservação (UC), Parque Nacional, Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº 9.985/2000, Desapropriação Ambiental, Caducidade de Decreto Expropriatório, Interesse Público Ambiental, Domínio Público, Ato de Criação de UC, Decreto-Lei nº 3.365/1941, Lei nº 4.132/1962, Princípio da Especialidade, Desapropriação Indireta.

Tese Fixada

“A caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública é inaplicável aos atos vinculados às unidades de conservação de domínio público, como é o caso do parque nacional, ante a incompatibilidade entre as normas administrativas gerais da desapropriação e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC.”

Controvérsia

A controvérsia central consiste em definir se os efeitos expropriatórios do decreto que cria uma unidade de conservação de domínio público (no caso, um parque nacional) podem caducar pela não efetivação da desapropriação nos prazos previstos nas leis gerais de desapropriação (Decreto-Lei nº 3.365/1941 e Lei nº 4.132/1962).

Contexto

A Lei nº 9.985/2000 (Lei do SNUC) estabelece que unidades de conservação do grupo de Proteção Integral, como os parques nacionais, são de posse e domínio públicos, e as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas (art. 11, § 1º). A discussão surge da aparente tensão entre essa determinação e as normas gerais de desapropriação que preveem a caducidade do decreto expropriatório se a ação não for ajuizada em determinado prazo.

Ratio Decidendi

A Segunda Turma do STJ, por unanimidade, entendeu pela inaplicabilidade da caducidade dos decretos expropriatórios genéricos aos atos de criação de unidades de conservação de domínio público, com base nos seguintes fundamentos:

  1. Autonomia da Criação da Unidade de Conservação: A criação de uma unidade de conservação não depende da prévia desapropriação ou dos decretos de interesse expropriatório. Ela se perfaz com o ato do Poder Público, após estudos técnicos e consultas públicas (art. 22, § 2º, Lei do SNUC). As restrições ambientais decorrentes da criação são imediatas (art. 28).
  2. Interesse Expropriatório Decorrente da Lei do SNUC: Para unidades de conservação de domínio público (estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, etc.), a própria Lei do SNUC impõe o domínio público e a necessidade de desapropriação das áreas privadas. O ato de criação da unidade já configura a fase declaratória do interesse estatal ambiental na área.
  3. Especialidade e Superveniência da Lei do SNUC: A Lei nº 9.985/2000, por ser norma especial e superveniente em relação às leis gerais de desapropriação (Decreto-Lei nº 3.365/1941 e Lei nº 4.132/1962), prevalece nos pontos em que há incompatibilidade. O interesse ambiental na desapropriação, no contexto do SNUC, tem regramento próprio.
  4. Incompatibilidade com a Caducidade: Admitir a caducidade do “decreto criador” da unidade de conservação (que já embute a declaração de interesse expropriatório ambiental) significaria permitir a redução ou extinção da unidade por um meio diverso da lei específica, o que é vedado constitucionalmente e pela própria Lei do SNUC. Isso geraria insegurança jurídica e prejudicaria a proteção ambiental.
  5. Permanência do Interesse Ambiental: O interesse estatal na desapropriação dos imóveis privados afetados por unidades de conservação de domínio público perdura enquanto a unidade existir. Somente lei em sentido estrito pode desafetar ou reduzir a área de uma unidade de conservação.
  6. Consequências da Não Efetivação da Desapropriação: O desatendimento do prazo para a efetivação da desapropriação pela administração pública não reverte automaticamente as restrições ambientais nem o domínio público decorrentes da criação da unidade. Pode, contudo, ensejar ação indenizatória por parte do particular (desapropriação indireta ou limitação administrativa), observados os prazos prescricionais e as peculiaridades do caso concreto (como incidência de juros compensatórios e desconto de passivo ambiental).

Em resumo, o STJ concluiu que:

  • O ato de criação da unidade de conservação de domínio público já é a declaração do interesse estatal ambiental na área.
  • Este interesse ambiental é distinto da utilidade pública ou interesse social genéricos.
  • O interesse público ambiental na área da unidade de conservação perdura enquanto a unidade não for extinta por lei, não se sujeitando à caducidade por decurso de prazo.

Tese Afastada: A aplicação das regras de caducidade previstas no Decreto-Lei nº 3.365/1941 e na Lei nº 4.132/1962 aos atos que criam unidades de conservação de domínio público.

Fundamentos

  • Lei n. 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC), arts. 8º, III; 11, §1º; 22, §2º; 28.
  • Decreto-Lei n. 3.365/1941 (Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública).
  • Lei n. 4.132/1962 (Define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação).

Observações

  • Proteção Ambiental Reforçada: A decisão reforça a proteção das unidades de conservação de domínio público, impedindo que sua integridade seja comprometida pela inércia administrativa em concluir as desapropriações.
  • Segurança Jurídica: Busca conciliar a proteção ambiental com a segurança jurídica, estabelecendo que o interesse na desapropriação persiste, mas o particular afetado pode buscar indenização pela demora ou pela afetação em si.
  • Distinção de Interesses: Clarifica a distinção entre o “interesse público ambiental” inerente à criação de UCs e os conceitos mais genéricos de “utilidade pública” ou “interesse social” que fundamentam outras desapropriações.