Lei Ordinária

A Lei Ordinária (LO) é a espécie normativa primária mais comum no processo legislativo brasileiro, destinada a regular as matérias que não são reservadas pela Constituição Federal à disciplina por outras espécies normativas específicas, como Emendas à Constituição, Leis Complementares, Leis Delegadas, Medidas Provisórias, Decretos Legislativos e Resoluções. Ela possui um campo de atuação residual e é aprovada por maioria simples dos membros presentes em cada Casa do Congresso Nacional, desde que presente a maioria absoluta de seus membros. Após aprovação, segue para sanção ou veto do Chefe do Poder Executivo.

Fundamentos

  • Constituição Federal de 1988:
    • Art. 59: “O processo legislativo compreende a elaboração de: (…) III – leis ordinárias;”
    • Art. 47: “Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.” (Este é o quórum para aprovação das leis ordinárias – maioria simples, com quórum de instalação de maioria absoluta).
    • Art. 61: Dispõe sobre a iniciativa das leis complementares e ordinárias, que pode ser concorrente (entre Presidente da República, qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, cidadãos) ou privativa (em certos casos, reservada ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos – iniciativa popular).
    • Arts. 62 a 68: Detalham as fases do processo legislativo, incluindo discussão, votação, sanção, veto, promulgação e publicação, aplicáveis, com as devidas adaptações, às leis ordinárias.
    • Art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre diversas matérias, geralmente por meio de lei ordinária, salvo quando a CF exige lei complementar.
    • Art. 24: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre diversas matérias. A União estabelece normas gerais (via lei ordinária ou complementar, conforme o caso), e os Estados exercem competência suplementar.

Controle

  • As Leis Ordinárias, como atos normativos primários, estão sujeitas ao controle de constitucionalidade, que visa aferir sua compatibilidade com a Constituição Federal. Esse controle pode ser:
    • Preventivo: Realizado durante o processo legislativo, pelas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) das Casas Legislativas e pelo Chefe do Poder Executivo (através do veto jurídico).
    • Repressivo: Exercido pelo Poder Judiciário:
      • Controle Difuso: Qualquer juiz ou tribunal, no julgamento de um caso concreto, pode deixar de aplicar uma lei ordinária por considerá-la inconstitucional.
      • Controle Concentrado: Realizado precipuamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) através de:
        • Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI): Para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição Federal.
        • Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC): Para declarar a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
        • Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF): Subsidiária, para lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição, quando não houver outro meio eficaz de saná-la.

Enunciados

  • Supremo Tribunal Federal (STF):
    • Súmula Vinculante nº 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.” (Relevante para o controle difuso de constitucionalidade das leis ordinárias).
    • Diversas súmulas do STF e do STJ interpretam o alcance e a aplicação de leis ordinárias específicas, ou resolvem conflitos entre elas e outras normas.

Precedentes

  • Supremo Tribunal Federal (STF):
    • Tema 54 de Repercussão Geral (RE 377.457): Firmou o entendimento de que lei ordinária pode revogar dispositivo de lei complementar que veicula matéria própria de lei ordinária, reforçando a ideia de que a distinção entre as espécies se dá pelo campo material e pelo quórum, não por hierarquia.
    • Inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas pelo STF estabelecem precedentes sobre a constitucionalidade (formal ou material) de leis ordinárias dos mais variados temas.
  • Superior Tribunal de Justiça (STJ):
    • Em sede de Recursos Repetitivos, o STJ frequentemente fixa teses sobre a interpretação e aplicação de leis ordinárias federais, especialmente em matéria infraconstitucional.

Jurisprudência

  • Supremo Tribunal Federal (STF):
    • O STF possui vasta jurisprudência sobre a iniciativa legislativa das leis ordinárias, especialmente quanto às matérias de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, CF/88) e às chamadas “leis de efeito concreto” (que, embora formalmente leis, possuem conteúdo de ato administrativo).
    • “A lei ordinária é o veículo normativo adequado para as matérias não reservadas pela Constituição à lei complementar ou a outras espécies normativas. A invasão de competência material reservada à lei complementar por lei ordinária acarreta a inconstitucionalidade desta.” (Entendimento consolidado em diversas ADIs).
    • “É inconstitucional lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.” (Ex: ADI 2.867, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 29/06/2015).

Doutrina

  • Conceito e Natureza Jurídica: Para Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, Atlas), a Lei Ordinária é o ato legislativo típico, editado pelo Poder Legislativo sobre todas as matérias de sua competência que não sejam reservadas à lei complementar ou a outras formas normativas, e que exige aprovação por maioria simples.
  • Competência Residual: A Lei Ordinária possui competência residual, ou seja, pode tratar de qualquer matéria que não seja de reserva expressa de outra espécie normativa (como Emenda Constitucional, Lei Complementar). Segundo Uadi Lammêgo Bulos (Curso de Direito Constitucional, Saraiva), o campo da lei ordinária é vastíssimo, abrangendo a maior parte da legislação.
  • Hierarquia: Predomina o entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência do STF, de que não há hierarquia entre Lei Ordinária e Lei Complementar. Ambas são espécies normativas primárias, com fundamento direto na Constituição. A distinção reside no quórum de aprovação e nas matérias que cada uma pode tratar. Uma Lei Ordinária não pode tratar de matéria reservada à Lei Complementar, e vice-versa, sob pena de inconstitucionalidade.
    • Para Michel Temer (Elementos de Direito Constitucional, Malheiros), a lei ordinária é a regra geral, enquanto a lei complementar é a exceção, exigida apenas nos casos expressos pela Constituição.
  • Quórum de Aprovação: A Lei Ordinária é aprovada por maioria simples ou relativa (art. 47 da CF/88), ou seja, pela maioria dos votos dos parlamentares presentes à sessão, desde que esteja presente a maioria absoluta dos membros da respectiva Casa Legislativa (quórum de instalação/deliberação).
  • Processo Legislativo: A elaboração de uma Lei Ordinária segue as fases do processo legislativo comum: iniciativa, discussão, votação, sanção (ou veto), promulgação e publicação.

Correlato

  • Constituição Federal — define o processo legislativo e o campo de atuação da Lei Ordinária.
  • Processo Legislativo — a Lei Ordinária é a espécie normativa mais comum resultante deste processo.
  • Lei Complementar — distingue-se da Lei Ordinária pelo quórum qualificado (maioria absoluta) e pelo campo material específico reservado pela Constituição.
  • Medida Provisóriapode ser editada pelo Presidente da República com força de lei ordinária em casos de relevância e urgência, devendo ser convertida em lei pelo Congresso Nacional.
  • Decreto Legislativo — espécie normativa de competência exclusiva do Congresso Nacional para matérias específicas (ex: aprovar tratados internacionais), sem sanção presidencial.
  • Resolução (Processo Legislativo) — espécie normativa de competência de cada Casa do Congresso Nacional ou do Congresso Nacional em conjunto, para regular matérias de sua economia interna ou competências específicas, sem sanção presidencial.
  • Sanção Presidencial — ato pelo qual o Chefe do Executivo concorda com o projeto de lei aprovado pelo Legislativo, transformando-o em lei.
  • Veto Presidencial — ato pelo qual o Chefe do Executivo recusa-se a sancionar projeto de lei, no todo ou em parte, por inconstitucionalidade ou contrariedade ao interesse público.
  • Quórum de Maioria Simples — é o requisito para aprovação da Lei Ordinária, presente a maioria absoluta dos membros da Casa.
  • Iniciativa Legislativa — poder de propor a edição de leis, podendo ser geral, concorrente ou privativa para as leis ordinárias.