Abandono

  • Conceito Geral: Ato voluntário de renunciar a um direito, posse, coisa, pessoa ou processo, caracterizado pela negligência intencional em relação aos deveres de cuidado, guarda, assistência ou impulso que lhe são inerentes. A configuração do abandono geralmente exige um elemento objetivo (a cessação da atividade) e um subjetivo (o animus abandonandi ou a intenção de abandonar).
  • Direito Civil
    • Abandono como Causa de Perda da Propriedade (CC, art. 1.275, III)
      • Conceito: Forma de perda do direito de propriedade imóvel, na qual o proprietário, de forma intencional (animus abandonandi), renuncia ao seu domínio sobre o bem.
      • Requisitos:
        • Ato inequívoco de abandono: Não pagamento de tributos, desocupação prolongada e desinteresse manifesto.
        • Intenção de não mais conservar a coisa: O animus de renunciar à propriedade.
      • Efeitos:
        • Arrecadação como Bem Vago: O imóvel abandonado pode ser arrecadado pelo Município ou pelo Distrito Federal e, após 3 anos, passar à sua propriedade (CC, art. 1.276).
        • Usucapião por Terceiro: A posse de terceiro sobre o imóvel abandonado, se preenchidos os requisitos legais, pode levar à aquisição da propriedade por usucapião.
    • Abandono Afetivo
      • Conceito: Conduta omissiva de um genitor em relação ao dever de cuidado, criação, educação e companhia para com o filho, violando os deveres inerentes ao poder familiar.
      • Natureza Jurídica: Ato ilícito (CC, art. 186) que gera o dever de indenizar por dano moral.
      • Fundamento: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (CF, art. 1º, III), Princípio da Paternidade Responsável (CF, art. 226, § 7º) e Dever de Cuidado (ECA, art. 22).
      • Jurisprudência do STJ: Admite a possibilidade de compensação pecuniária por dano moral, desde que comprovada a conduta omissiva do genitor e o prejuízo psicológico relevante sofrido pelo filho.
    • Abandono do Lar
      • Conceito Histórico: Anteriormente, era causa para a perda do direito à sociedade conjugal e tinha implicações na partilha de bens.
      • Situação Atual:
        • Irrelevância para Culpa no Divórcio: Com a Emenda Constitucional nº 66/2010, a discussão sobre a culpa no término do casamento tornou-se irrelevante para a decretação do divórcio.
        • Efeito na Usucapião Familiar: O “abandono do lar” foi ressignificado como requisito para a usucapião especial familiar (CC, art. 1.240-A), na qual o ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandona o lar, deixando o outro na posse exclusiva do imóvel urbano de até 250m², pode perder seu quinhão sobre o bem após 2 anos, desde que o outro não seja proprietário de outro imóvel.
  • Direito Penal
    • Abandono de Incapaz (CP, art. 133)
      • Conceito: Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e que, por qualquer motivo, é incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.
      • Bem Jurídico Tutelado: A vida e a saúde da pessoa incapaz.
      • Sujeitos: Crime próprio, só pode ser cometido por quem tem o dever legal ou contratual de cuidado.
      • Pena: Detenção, de 6 meses a 3 anos, com qualificadoras se resultar lesão corporal grave ou morte.
    • Abandono de Animais (Lei nº 9.605/98, art. 32)
      • Conceito: Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados. O abandono é considerado uma forma de maus-tratos.
      • Lei nº 14.064/2020: Qualificou a pena quando se tratar de cão ou gato, com reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda.
      • Bem Jurídico Tutelado: O meio ambiente e a integridade física e o bem-estar dos animais.
    • Abandono de Função (CP, art. 323)
      • Conceito: Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei.
      • Bem Jurídico Tutelado: A regularidade e a continuidade da Administração Pública.
      • Requisitos:
        • Dolo específico: A vontade de abandonar o cargo.
        • Potencial de dano público: Se do fato resulta prejuízo público, a pena é aumentada.
  • Direito Processual
    • Abandono da Causa pelo Advogado (CPC, art. 77, VI e Lei nº 8.906/94, art. 34, XI)
      • Conceito: Omissão do advogado em promover os atos e diligências que lhe incumbem no curso do processo.
      • Consequências:
        • Multa processual (CPC, art. 77, § 1º).
        • Infração disciplinar perante a OAB, sujeita a sanções.
        • Responsabilidade civil perante o cliente pelos danos causados.
    • Abandono do Processo pela Parte (Extinção)
      • Conceito: Inércia da parte autora em promover os atos e diligências que lhe competem por mais de 30 dias (CPC, art. 485, III) ou por mais de 1 ano por negligência de ambas as partes (CPC, art. 485, II).
      • Requisitos (art. 485, III):
        • Inércia do autor por mais de 30 dias.
        • Intimação pessoal da parte para suprir a falta em 5 dias.
        • Persistência da inércia.
      • Efeitos: Extinção do processo sem resolução de mérito.
      • Súmula 240 do STJ: A extinção por abandono pressupõe requerimento do réu, se este já tiver apresentado contestação, em razão da possibilidade de ter interesse no julgamento de mérito.
      • Perempção: Se o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo por abandono, não poderá intentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto (CPC, art. 486, § 3º).