Abandono assecuratório

  • Conceito: Instituto do Direito Securitário, com aplicação proeminente no Direito Marítimo, que consiste na faculdade do segurado de abandonar o objeto segurado (navio ou carga) em favor do segurador e exigir deste a indenização integral, como se a perda fosse total e efetiva. É um ato unilateral que transfere a propriedade da coisa e seus direitos ao segurador.
  • Natureza Jurídica: Causa especial de rescisão do contrato de seguro, exercida por meio de um ato jurídico unilateral e receptício do segurado, que converte uma perda total construtiva (ou presumida) em uma perda total efetiva para fins de indenização.
  • Fundamento Legal Principal
    • Código Comercial de 1850 (Parte II – Do Comércio Marítimo, nos artigos não revogados): Arts. 754 a 760, que tratam especificamente do abandono no seguro marítimo.
    • Código Civil (Lei nº 10.406/2002): Aplica-se de forma subsidiária, regendo a teoria geral do contrato de seguro (arts. 757 a 802), especialmente no que tange à perda total da coisa segurada (art. 784).
  • Requisitos e Hipóteses de Cabimento (Art. 754 do Código Comercial)
    • Conceito de Perda Total Construtiva: O abandono é cabível não apenas na perda real e efetiva da coisa, mas em situações onde a recuperação do bem é inviável ou os custos para repará-lo ou resgatá-lo excedem seu valor (perda total presumida ou construtiva).
    • Hipóteses Legais:
      • Presa ou arresto por inimigo ou pirata.
      • Naufrágio ou encalhe do navio com quebra total.
      • Inavegabilidade do navio por acidente marítimo.
      • Falta de notícias do navio por um período determinado (geralmente 6 meses para viagens costeiras e 1 ano para viagens de longo curso, salvo estipulação em contrário).
      • Perda total ou deterioração de mais de 3/4 do valor dos objetos segurados.
  • Procedimento
    • Declaração de Abandono: O segurado deve notificar o segurador de sua intenção de abandonar o objeto. A declaração deve ser clara, inequívoca e incondicional.
    • Prazo para o Exercício: O abandono deve ser declarado dentro de um prazo específico após o conhecimento do sinistro, sob pena de decadência do direito. A lei não fixa um prazo rígido, mas a doutrina e a jurisprudência entendem que deve ser exercido em tempo razoável.
    • Aceitação pelo Segurador:
      • Aceitação Expressa ou Tácita: O segurador pode aceitar o abandono, tornando-o irrevogável. A aceitação consolida a transferência da propriedade e a obrigação de indenizar integralmente.
      • Recusa: O segurador pode recusar o abandono se entender que não se configurou uma das hipóteses legais. Nesse caso, a controvérsia sobre a natureza da perda (total ou parcial) será resolvida judicialmente.
      • Silêncio: O silêncio do segurador, após notificado, é frequentemente interpretado como recusa.
  • Efeitos Jurídicos
    • Para o Segurado:
      • Direito à Indenização Integral: Ao exercer o abandono validamente, o segurado adquire o direito de receber o valor total da apólice, como se a perda fosse efetiva e total.
      • Exoneração de Deveres sobre o Bem: Exonera-se da obrigação de tomar providências para salvar ou reparar o bem, dever que se transfere ao segurador.
    • Para o Segurador:
      • Transferência da Propriedade (Sub-rogação Real): Com a aceitação do abandono, o segurador torna-se proprietário do objeto segurado e de todos os direitos e ônus a ele inerentes, incluindo o direito a qualquer indenização devida por terceiros causadores do dano.
      • Dever de Indenizar: Consolida-se a obrigação de pagar a indenização integral ao segurado.
      • Assunção do Salvado: O segurador passa a ter o direito (e o ônus) sobre o que restar do objeto segurado (o “salvado”), podendo tentar recuperá-lo ou vendê-lo para mitigar suas perdas.
  • Distinções Fundamentais
    • Perda Total Efetiva vs. Perda Total Construtiva:
      • Efetiva: Ocorre quando o bem segurado é completamente destruído ou desaparece de forma irrecuperável. A indenização integral é devida sem a necessidade do abandono.
      • Construtiva (ou Presumida): Ocorre quando o bem ainda existe, mas sua perda é tão severa que os custos de reparo ou recuperação superam seu valor. O abandono é o ato que transforma essa perda em indenizável como se fosse total.
    • Abandono Assecuratório vs. Sub-rogação Pessoal:
      • Abandono: Transfere a propriedade da coisa segurada (salvado) para o segurador. É uma sub-rogação real.
      • Sub-rogação Pessoal (CC, art. 786): Após pagar a indenização (seja parcial ou total), o segurador se sub-roga nos direitos e ações que o segurado teria contra o causador do dano. Uma não exclui a outra; no abandono, o segurador adquire a coisa e também se sub-roga nos direitos contra o terceiro culpado.