Conceito: Ato jurídico unilateral pelo qual o titular de um direito subjetivo, de forma voluntária e intencional, o extingue e o retira de sua esfera patrimonial ou jurídica. É uma forma de disposição de direitos caracterizada pelo despojamento voluntário.
Natureza Jurídica: Causa extintiva de direitos que opera pela manifestação de vontade do titular, seja de forma expressa ou tácita, concluída a partir de seu comportamento.
Elementos Constitutivos
Elemento Objetivo: A conduta do titular que indica, de forma inequívoca, a ausência de interesse na conservação do direito. É a inércia qualificada ou o ato de despojamento físico da coisa.
Elemento Subjetivo (Animus Abandonandi): A intenção, o propósito de renunciar ao direito, de não mais tê-lo para si. A prova do ânimo de abandonar é essencial para a configuração do instituto.
Distinções Fundamentais
Renúncia: É o ato jurídico formal e explícito de abdicação de um direito, não dependendo de comportamento. O abandono é frequentemente informal e deduzido do comportamento. A renúncia é um ato abstrato; o abandono é concreto e ligado à posse ou exercício.
Prescrição e Decadência: São institutos que extinguem a pretensão ou o próprio direito pela inércia do titular durante um lapso temporal fixado em lei, independentemente da vontade de abandonar. São sanções à inércia, enquanto o abandono é um ato volitivo.
Desistência: Conceito primordialmente processual. A desistência da ação (CPC, art. 485, VIII) extingue o processo, mas não o direito material subjacente. O abandono de direito pode ocorrer dentro do processo e implica a resolução do mérito (renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação – CPC, art. 487, III, c).
Modalidades e Aplicações
Direito das Coisas
Abandono de Propriedade (Derrelição): Causa de perda da propriedade (CC, art. 1.275, III).
Bens Móveis: A coisa abandonada (res derelicta) torna-se coisa sem dono (res nullius) e pode ser adquirida por outrem por meio da ocupação (CC, art. 1.263). Ex: Deixar um objeto no lixo.
Bens Imóveis: O abandono, caracterizado pela intenção do proprietário e pela cessação dos atos de posse, pode levar à arrecadação do imóvel pelo Poder Público (Município ou DF) como bem vago, consolidando a propriedade pública após três anos (CC, art. 1.276).
Direito das Obrigações
Abandono do Direito de Crédito: Funcionalmente, equivale à remissão de dívida (CC, art. 385), que é o perdão concedido pelo credor, extinguindo a obrigação. É a abdicação voluntária do direito de exigir a prestação.
Direito Empresarial
Abandono do Estabelecimento: A falta de exploração da marca por mais de 5 anos consecutivos pode levar à caducidade do registro (Lei nº 9.279/96, art. 143). Embora seja um instituto próprio (caducidade), a inércia prolongada é uma forma de abandono que gera a perda do direito de uso exclusivo.
Direito Processual
Abandono da Causa: A inércia do autor por mais de 30 dias, após ser intimado pessoalmente para dar andamento ao feito, resulta na extinção do processo sem resolução de mérito (CPC, art. 485, III). Não se trata de abandono do direito material, mas da instância processual.
Renúncia ao Direito sobre o qual se funda a Ação: Verdadeiro abandono do direito material discutido em juízo. Leva à extinção do processo com resolução de mérito, formando coisa julgada material (CPC, art. 487, III, ‘c’).
Requisitos de Validade e Limites
Capacidade Civil do Agente: O titular do direito deve ser plenamente capaz para praticar o ato de abandono, por se tratar de um ato de disposição.
Disponibilidade do Direito: Apenas direitos de caráter patrimonial e disponível podem ser objeto de abandono.
Direitos Indisponíveis: Não podem ser abandonados.
Direitos da Personalidade: Direito à vida, ao nome, à honra, à imagem (CC, art. 11).
Direito a Alimentos: O crédito alimentar é irrenunciável e não pode ser objeto de abandono pelo credor necessitado (CC, art. 1.707).
Direitos de Estado: A filiação, a cidadania.
Inexistência de Prejuízo a Terceiros: O abandono de um direito não pode ser realizado com o intuito de fraudar credores ou lesar direitos de terceiros. Tais atos são passíveis de anulação (CC, art. 158).