Abandono material

  • Conceito: Crime omissivo próprio previsto no Capítulo III (“Dos Crimes Contra a Assistência Familiar”) do Título VII do Código Penal, que consiste em deixar, deliberadamente e sem justificativa, de prover os recursos indispensáveis à subsistência de pessoa que possui o dever legal de amparar.
  • Bem Jurídico Tutelado: A organização familiar, no que tange ao dever de mútua assistência material e solidariedade entre seus membros. Protege-se a dignidade e o mínimo existencial dos dependentes.
  • Base Normativa Principal: Código Penal, art. 244.
  • Fundamento Constitucional: Dever de assistência recíproca entre pais e filhos e o princípio da solidariedade familiar (CF, art. 229).
  • Estrutura do Tipo Penal (CP, art. 244)
    • Sujeito Ativo: Crime próprio. Somente pode ser praticado por quem tem o dever legal de assistência:
      • Cônjuge ou companheiro(a).
      • Genitor(a) (em relação a filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho).
      • Filho(a) maior e capaz (em relação a ascendente inválido ou maior de 60 anos).
    • Sujeito Passivo:
      • Cônjuge ou companheiro(a) necessitado(a).
      • Filho menor de 18 anos.
      • Filho inapto para o trabalho (independentemente da idade).
      • Ascendente inválido.
      • Ascendente maior de 60 anos (Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003).
    • Elemento Subjetivo: O dolo, que é a vontade livre e consciente de deixar de prestar a assistência devida, ciente da necessidade do beneficiário e da sua própria capacidade de fazê-lo.
    • Elemento Normativo do Tipo: A expressão “sem justa causa”, que exige a análise da inexistência de um motivo legítimo para a omissão (ex: desemprego involuntário, doença incapacitante). A mera dificuldade financeira, sem prova da total impossibilidade, não costuma ser aceita como justa causa.
  • Modalidades de Conduta (Tipo Misto Alternativo)
    • Caput (primeira parte): Deixar de prover a subsistência.
      • Conduta: Não fornecer os recursos necessários à vida (alimentos, vestuário, habitação, saúde).
      • Aplicação: Para as relações de parentesco e conjugais diretas (ex: pai que não compra comida para o filho).
    • Caput (segunda parte): Faltar ao pagamento de pensão alimentícia.
      • Conduta: Deixar de pagar valor de pensão alimentícia que foi judicialmente acordada, fixada ou majorada.
      • Requisito: É indispensável a existência de uma decisão judicial (sentença ou acordo homologado) definindo a obrigação. O mero inadimplemento de acordo verbal não configura o crime.
    • Caput (terceira parte): Deixar de socorrer descendente ou ascendente gravemente enfermo.
      • Conduta: Omissão de socorro ou de cuidados pessoais indispensáveis a parente em linha reta que se encontre em estado de saúde grave.
    • Parágrafo Único: Frustrar o pagamento de pensão alimentícia.
      • Conduta: O devedor solvente (que tem condições) utiliza de qualquer ardil ou meio para impedir ou dificultar o pagamento da pensão (ex: abandona o emprego propositalmente, oculta patrimônio).
      • Natureza: Crime comissivo ou omissivo impróprio.
  • Classificação Doutrinária
    • Crime Próprio: Exige qualidade especial do sujeito ativo.
    • Omissivo Próprio (Puro): A maioria das modalidades se consuma com a simples omissão.
    • Permanente: A consumação se prolonga no tempo enquanto durar a omissão.
    • Formal: Não exige a ocorrência de um resultado naturalístico (dano efetivo à saúde da vítima), bastando a omissão da assistência.
    • Tentativa: Inadmissível na modalidade omissiva pura.
  • Penalidade e Ação Penal
    • Pena: Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País (CP, art. 244).
      • Parágrafo Único: Aplica-se a mesma pena à conduta de frustrar o pagamento.
    • Ação Penal: Pública incondicionada. Não depende de representação da vítima.
  • Distinções em Relação a Figuras Afins
    • Prisão Civil do Devedor de Alimentos:
      • Natureza: Meio de coerção, não é sanção penal. Visa forçar o pagamento da dívida.
      • Fundamento: CPC, art. 528, §3º e CF, art. 5º, LXVII.
      • Prazo: 1 a 3 meses em regime fechado.
      • Independência: A prisão civil não impede a instauração da ação penal por abandono material, e vice-versa.
    • Abandono Afetivo:
      • Natureza: Ilícito civil, não é crime.
      • Conduta: Omissão no dever de cuidado, criação, educação e companhia, gerando dano psicológico.
      • Consequência: Indenização por danos morais.
      • Fundamento: Doutrina e jurisprudência, com base nos arts. 186 e 927 do CC e nos princípios constitucionais.
    • Crime de Abandono de Idoso (Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003):
      • Conduta Específica (Art. 98): Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas quando obrigado por lei ou mandado.
      • Pena: Detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.
      • Distinção: É um tipo penal específico que visa proteger a pessoa idosa em situações particulares de abandono físico em locais ou de omissão de necessidades básicas, podendo concorrer ou não com o abandono material do CP, a depender do caso concreto.