Abandono moral

  • Conceito: Expressão doutrinária e jurisprudencial que designa a omissão do dever de cuidado, afeto, convivência, amparo psicológico e formação moral por parte de quem detém o poder familiar ou obrigação de cuidado, notadamente os genitores em relação aos filhos. Caracteriza-se como um ilícito civil que viola direitos da personalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana.
  • Nomenclatura: Embora “abandono moral” seja utilizado, a expressão “abandono afetivo” consolidou-se na doutrina e na jurisprudência como a mais técnica para descrever a conduta.
  • Natureza Jurídica: Ato ilícito (CC, art. 186), gerador de responsabilidade civil e do consequente dever de indenizar (CC, art. 927). Não se confunde com um ilícito penal.
  • Fundamentos Jurídicos
    • Constituição Federal (CF/88)
      • Dignidade da Pessoa Humana: Fundamento da República (CF, art. 1º, III).
      • Dever de Cuidado da Família e do Estado: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária…” (CF, art. 227).
      • Dever dos Pais: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores…” (CF, art. 229).
    • Código Civil (CC/2002)
      • Poder Familiar: Implica o dever de criação e educação (CC, art. 1.634, I).
      • Ato Ilícito: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (CC, art. 186).
      • Dever de Indenizar: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (CC, art. 927).
    • Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90)
      • Direito ao Respeito e à Dignidade: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente…” (ECA, art. 17).
      • Deveres do Poder Familiar: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores…” (ECA, art. 22).
  • Elementos Caracterizadores da Responsabilidade Civil
    • Conduta Omissiva Ilícita: A falha no cumprimento do dever de cuidado (cura). Não se trata de obrigar a “amar”, mas de impor o cumprimento dos deveres objetivos que emanam do poder familiar, como a convivência, o amparo, a orientação e a participação na formação do indivíduo.
    • Dano (Dano Moral ou Psíquico): A consequência da omissão. Deve ser comprovada a existência de um sofrimento psíquico relevante, angústia, sentimento de desamparo ou dor profunda que ultrapasse o mero dissabor. Geralmente, a prova é realizada por meio de laudos psicológicos ou psiquiátricos.
    • Nexo de Causalidade: A comprovação de que o dano psicológico sofrido pelo filho(a) decorreu diretamente da conduta omissiva e negligente do genitor(a). É preciso demonstrar que a ausência foi a causa determinante do abalo moral.
    • Culpa ou Dolo: A negligência ou a intenção deliberada de se omitir dos deveres de cuidado, mesmo ciente de sua obrigação legal e da importância de sua presença para o desenvolvimento do filho(a).
  • Consequências Jurídicas
    • Reparação por Danos Morais: A consequência primária é a fixação de uma indenização pecuniária em favor do filho abandonado.
      • Finalidade da Indenização:
        • Compensatória: Tenta mitigar a dor da vítima, proporcionando meios para tratamentos psicológicos ou outras formas de conforto.
        • Punitivo-Pedagógica (Punitive Damages): Visa a punir o ofensor e a desestimular a reiteração da conduta por ele ou por outros membros da sociedade.
      • Jurisprudência Relevante: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento sobre a matéria, admitindo a possibilidade de indenização por abandono afetivo (ex: REsp 1.159.242/SP e REsp 1.579.055/SP).
    • Perda do Poder Familiar: Em casos extremos e reiterados de descumprimento injustificado dos deveres, o abandono pode ensejar a sanção mais grave de destituição do poder familiar (CC, art. 1.638, II).
  • Distinções em Relação a Figuras Afins
    • Abandono Material (Ilícito Penal):
      • Esfera: Direito Penal (CP, art. 244).
      • Conduta: Deixar de prover a subsistência material (alimentos, recursos financeiros, etc.).
      • Consequência: Sanção penal (detenção e multa).
    • Alienação Parental (Ilícito Civil e Administrativo):
      • Esfera: Direito de Família (Lei nº 12.318/2010).
      • Conduta: Ato comissivo de interferir na formação psicológica da criança ou adolescente para repudiar um genitor ou causar prejuízo ao vínculo com este.
      • Consequência: Medidas que vão desde advertência até a inversão da guarda ou suspensão da autoridade parental. O abandono pode ser uma consequência da alienação, mas as figuras não se confundem em sua origem.
    • Inadimplemento da Pensão Alimentícia:
      • Esfera: Direito de Família (Execução de Alimentos).
      • Conduta: Deixar de pagar a verba alimentar fixada judicialmente.
      • Consequência: Prisão civil como meio coercitivo para o pagamento, e não como pena.