- Conceito Histórico: Instituto originário do Direito Romano que permitia ao pater familias (chefe de família) ou ao proprietário de um animal ou escravo, que houvesse causado dano a terceiro, eximir-se da responsabilidade de pagar a indenização correspondente, entregando o causador do dano (o filho, o escravo ou o animal) à vítima. A entrega era denominada noxae deditio.
- Finalidade: Limitar a responsabilidade patrimonial do pater familias a um montante máximo equivalente ao valor do próprio causador do dano. A obrigação era considerada propter rem, vinculando o dano à “coisa” ou pessoa que o cometeu.
- Natureza Jurídica Original: Causa extintiva da obrigação de indenizar, de natureza facultativa, que se operava pela entrega (abandono) do agente causador do dano à vítima.
- Situação no Direito Brasileiro Contemporâneo
- Inexistência no Ordenamento Vigente: O abandono noxal, em sua forma clássica romana, não foi recepcionado pelo Direito Civil brasileiro. A responsabilidade civil no Brasil é, em regra, patrimonial, respondendo o devedor com todos os seus bens presentes e futuros (CPC, art. 789).
- Princípios Incompatíveis: O instituto colide frontalmente com princípios fundamentais do direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a intranscendência da pena (CF, art. 5º, XLV), sendo inconcebível a entrega de um ser humano para reparar um dano patrimonial.
- Vestígios e Figuras Análogas (Debate Doutrinário)
- Responsabilidade por Danos Causados por Animais (CC, art. 936)
- Regra Geral: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. A responsabilidade do dono é objetiva.
- A Controvérsia sobre o Abandono do Animal: Parte da doutrina questionou se o dono poderia se exonerar da obrigação de indenizar abandonando o animal (analogia ao abandono noxal).
- Posição Majoritária e do STJ: A jurisprudência e a doutrina majoritária rechaçam essa possibilidade. O Enunciado nº 452 da V Jornada de Direito Civil do CJF estabelece: “A responsabilidade civil do dono ou detentor de animal é objetiva, admitindo-se a excludente do fato exclusivo de terceiro. Não se admite o abandono do animal como excludente de responsabilidade“. O dever de indenizar é autônomo e não se confunde com a propriedade do animal.
- Responsabilidade por Ruína de Edifício (CC, art. 937)
- Regra Geral: “O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.
- Inaplicabilidade do Abandono Noxal: Não se cogita a possibilidade de o proprietário se eximir do dever de indenizar pela simples entrega ou abandono do imóvel em ruínas à vítima. A responsabilidade persiste sobre seu patrimônio.
- Abandono Liberatório (Distinção Crucial)
- Finalidade: Exonera o devedor de uma obrigação propter rem (ex: despesas de condomínio, conservação de muro) mediante a renúncia ao seu direito de propriedade. (CC, arts. 1.316, 1.345).
- Diferença Fundamental: No abandono liberatório, o devedor se livra de uma obrigação de pagar uma despesa vinculada à coisa. No abandono noxal, o devedor se livraria de uma obrigação de indenizar um dano (ato ilícito) causado pela coisa ou pessoa. O ordenamento brasileiro admite a primeira hipótese em casos específicos, mas não a segunda.
- Responsabilidade por Danos Causados por Animais (CC, art. 936)
- Estrutura Clássica (Direito Romano)
- Sujeito Ativo da Obrigação: O pater familias ou proprietário.
- Sujeito Passivo (Vítima): O terceiro que sofreu o dano.
- Agente Causador do Dano:
- Alieni Iuris: Filho ou filha sob o poder familiar.
- Servus: Escravo.
- Animal: Animal de propriedade do responsável.
- Conduta: A prática de um ato ilícito (dano) pelo agente.
- Faculdade do Devedor: Após o dano, o responsável tinha duas opções:
- Actio noxalis: Assumir o processo e pagar a indenização fixada.
- Noxae deditio: Entregar o agente causador do dano à vítima, extinguindo a obrigação.
- Síntese da Posição Atual
- O abandono noxal é um instituto histórico-jurídico sem aplicação prática ou validade no Direito Civil brasileiro.
- A responsabilidade por danos causados por animais, coisas ou dependentes é regida por um sistema de responsabilidade civil (objetiva ou subjetiva) que recai sobre o patrimônio do responsável, sem a faculdade de exoneração pela entrega do agente causador do dano.
- Confundir a responsabilidade objetiva por fato de animal com o abandono noxal é um equívoco doutrinário superado pela jurisprudência consolidada.