- Conceito Histórico e Transição Normativa
- Noção Geral: O termo “abdução” no direito penal brasileiro está historicamente associado ao crime de “rapto”, que visava à proteção da liberdade sexual e dos costumes. Atualmente, a conduta foi absorvida por outros tipos penais.
- Crime de Rapto (Figura Revogada)
- Previsão Normativa: Era tipificado no art. 219 do Código Penal (revogado pela Lei nº 11.106/2005).
- Conduta Típica: Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso.
- Elementos do Tipo (históricos)
- Sujeito Ativo: Qualquer pessoa.
- Sujeito Passivo: Exigia-se qualidade especial: “mulher honesta”, conceito valorativo que foi um dos motivos da revogação pela sua inadequação social e jurídica.
- Elemento Subjetivo (Dolo): A vontade livre e consciente de raptar (dolo genérico) e o especial fim de agir para satisfazer a lascívia (dolo específico ou “fim libidinoso”).
- Meios de Execução: A conduta deveria ser praticada mediante violência, grave ameaça ou fraude.
- Fenômeno da Transição Legal
- Revogação Expressa: A Lei nº 11.106/2005 revogou formalmente o Capítulo III do Título VI da Parte Especial do Código Penal, que tratava do rapto (arts. 219 a 222).
- Continuidade Normativo-Típica: Não ocorreu uma
abolitio criminis
(supressão da incriminação do fato). A doutrina e a jurisprudência (vide STF, HC 101.035) entendem que a conduta de privar a liberdade de alguém com fim libidinoso foi deslocada, passando a qualificar o crime de sequestro. - Fundamento: A conduta de “raptar para fim libidinoso” está agora contida na descrição de uma forma qualificada do sequestro, garantindo a continuidade da tutela penal sobre o bem jurídico.
Enquadramento Normativo Vigente
- Sequestro e Cárcere Privado (Art. 148 do Código Penal)
- Tipo Simples (Caput)
- Conduta: Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado.
- Bem Jurídico Tutelado: A liberdade de locomoção.
- Pena: Reclusão, de um a três anos.
- Forma Qualificada (Absorção da Conduta do Antigo Rapto)
- Previsão: Art. 148, § 1º, V, do Código Penal.
- Conduta: O sequestro ou cárcere privado é praticado com fins libidinosos.
- Análise Comparativa:
- Sujeito Passivo: Qualquer pessoa (homem ou mulher), não mais se restringindo à “mulher honesta”.
- Elemento Subjetivo: Exige-se o dolo de privar a liberdade com a finalidade específica (elemento subjetivo especial) de satisfazer a lascívia.
- Pena: Reclusão, de dois a cinco anos.
- Outras Formas Qualificadas (Art. 148, § 1º e § 2º)
- Pela Qualidade da Vítima: Ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou maior de 60 anos (Inciso I); Menor de 18 anos (Inciso IV).
- Pelo Meio de Execução: Internação da vítima em casa de saúde ou hospital (Inciso II).
- Pela Duração: Privação da liberdade por mais de 15 dias (Inciso III).
- Pelo Resultado: Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral (Art. 148, § 2º).
- Tipo Simples (Caput)
- Subtração de Incapazes (Art. 249 do Código Penal)
- Conduta Típica: Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial.
- Bem Jurídico Tutelado: O direito de guarda (pátrio poder, tutela, curatela) sobre o incapaz. A liberdade do incapaz é tutelada de forma secundária.
- Natureza Subsidiária: O tipo penal contém a cláusula de subsidiariedade expressa: “se o fato não constitui elemento de outro crime”. Portanto, se a subtração ocorre para fins libidinosos ou mediante extorsão, aplicam-se os crimes de sequestro qualificado (art. 148, § 1º, V) ou extorsão mediante sequestro (art. 159), respectivamente.
- Sujeito Passivo
- Principal: O detentor legal da guarda ou poder sobre o incapaz.
- Secundário: O próprio menor de 18 anos ou o interdito.
- Elemento Subjetivo: O dolo de subtrair, ou seja, de retirar o incapaz da esfera de vigilância de seu guardião legal.
- Causa de Isenção de Pena (Perdão Judicial): O juiz pode deixar de aplicar a pena no caso de restituição do incapaz, desde que este não tenha sofrido maus-tratos ou privações (Art. 249, § 2º).
Distinções Doutrinárias Fundamentais
- Rapto (histórico) vs. Sequestro com Fim Libidinoso (vigente)
- Objeto Jurídico: No rapto, havia uma tutela complexa da liberdade e dos costumes sexuais. No sequestro qualificado, a tutela primária é a liberdade de locomoção.
- Vítima: O rapto restringia-se à “mulher honesta”. O sequestro aplica-se a qualquer pessoa.
- Sequestro (Art. 148) vs. Subtração de Incapazes (Art. 249)
- Bem Jurídico Principal: No sequestro, é a liberdade individual. Na subtração de incapazes, é o direito de guarda do responsável legal.
- Finalidade Específica: A subtração de incapazes não exige um fim especial do agente (além do dolo de subtrair), enquanto o sequestro pode ser qualificado por fins específicos (libidinoso, por exemplo).
- Princípio da Subsidiariedade: O crime do art. 249 só se configura se a conduta não constituir crime mais grave, como o sequestro ou a extorsão mediante sequestro.