Aberratio delicti

  • Conceito Jurídico: Modalidade de erro na execução em que o agente, embora visando a produção de um determinado resultado típico (crime), por acidente ou desvio no uso dos meios executórios, acaba por produzir resultado de espécie distinta daquela que pretendia.
  • Previsão Normativa: Fundamenta-se no Código Penal, em seu artigo 74. (CP, art. 74)
  • Natureza Jurídica: Trata-se de um erro acidental na fase de execução do crime (iter criminis), que não exclui o dolo nem a culpa, mas estabelece uma regra específica para a responsabilização penal.
  • Requisitos para Configuração
    • Unidade de Conduta: O agente pratica um único ato executório.
    • Elemento Subjetivo: Dolo direcionado a um resultado específico (crime-fim).
    • Desvio na Execução: Ocorre um erro ou acidente no desenrolar da conduta.
    • Produção de Resultado Diverso: O resultado efetivamente alcançado constitui tipo penal diverso do pretendido.
    • Nexo de Causalidade: Vínculo causal entre a conduta do agente e o resultado diverso produzido.
  • Modalidades e Consequências Jurídicas
    • Aberratio Delicti com Resultado Único (Forma Simples)
      • Descrição: O agente erra na execução e produz apenas o resultado diverso do pretendido, não atingindo o bem jurídico que visava.
      • Regra de Imputação: O agente responde pelo resultado diverso a título de culpa, desde que o fato seja previsto como crime culposo. (CP, art. 74, primeira parte).
        • Irrelevância do Dolo Original: O dolo referente ao crime pretendido não é utilizado para qualificar o crime efetivamente ocorrido.
        • Atipicidade por Ausência de Previsão Culposa: Se o resultado diverso não for punível a título de culpa, a conduta será atípica em relação a ele. O agente poderá, contudo, responder pela tentativa do crime que pretendia praticar, se esta for mais grave.
    • Aberratio Delicti com Resultado Duplo (Forma Complexa)
      • Descrição: Além do resultado diverso, o agente também atinge o resultado que pretendia (na forma tentada ou consumada, a depender da lesão ao bem jurídico).
      • Regra de Imputação: Aplica-se a regra do concurso formal de crimes. (CP, art. 70 c/c art. 74, parte final).
        • Concurso Formal Perfeito (ou Próprio): O agente, mediante uma só ação, pratica dois ou mais crimes (o doloso pretendido, na forma tentada, e o culposo resultante), aplicando-se a pena do mais grave, exasperada de um sexto a metade. (CP, art. 70, caput, primeira parte).
        • Concurso Formal Imperfeito (ou Impróprio): Se a conduta decorre de desígnios autônomos (vontades distintas para cada resultado), as penas são aplicadas cumulativamente, conforme a regra do concurso material. (CP, art. 70, caput, parte final).
  • Distinções em Relação a Figuras Análogas
    • Aberratio Ictus (Erro na Execução em Sentido Estrito)
      • Objeto do Erro: O erro recai sobre a pessoa ou a coisa visada, atingindo-se pessoa ou coisa diversa, mas de mesma espécie. (CP, art. 73).
      • Resultado Jurídico: O crime é juridicamente o mesmo (ex: pretendia matar A, mas mata B; responde por homicídio consumado).
      • Regra de Aplicação: Consideram-se as características da vítima virtual (pretendida) e não da vítima real (atingida).
    • Aberratio Causae (Erro sobre o Nexo Causal)
      • Objeto do Erro: O resultado pretendido é alcançado, porém por um nexo de causalidade diverso do imaginado pelo agente.
      • Previsão Legal: Inexistente. É uma construção puramente doutrinária.
      • Regra de Aplicação: Em regra, o erro sobre o nexo causal é irrelevante, mantendo-se a imputação a título de dolo (Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais), salvo se o desvio for absolutamente imprevisível.
    • Erro de Tipo (Error in Objecto)
      • Objeto do Erro: O erro incide sobre os elementos que constituem o tipo penal, ou seja, sobre a representação da realidade fática pelo agente. (CP, art. 20).
      • Momento do Erro: Ocorre na fase de formação da vontade (plano intelectual), e não na execução.
      • Consequência: Exclui o dolo. Se o erro for vencível (evitável), permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Se for invencível (inevitável), exclui a tipicidade (dolo e culpa).