- Conceito: Modalidade de erro acidental que ocorre quando o agente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, atinge pessoa diversa daquela que pretendia ofender (CP, art. 73). O desvio não ocorre na formação da vontade, mas em sua exteriorização.
- Fundamento Legal Principal: Art. 73 do Código Penal.
- Teoria Adotada: Teoria da Equivalência ou da Transposição, pela qual se consideram as qualidades e características da vítima pretendida (vítima virtual) e não da efetivamente atingida (vítima real). (CP, art. 73 c/c art. 20, § 3º).
- Elementos Estruturais
- Elemento Subjetivo: O dolo (vontade e consciência) do agente é dirigido a uma pessoa determinada (vítima virtual).
- Elemento Objetivo: Ocorre um desvio na execução (ictus), por acidente ou falha nos meios empregados, que resulta em ofensa a pessoa diversa.
- Espécies e Consequências Jurídicas
- Aberratio Ictus com Unidade Simples (ou Resultado Único)
- Descrição: Ocorre quando apenas a pessoa diversa da pretendida é atingida. A vítima virtual não sofre qualquer lesão.
- Consequência: O agente responde pelo crime como se tivesse atingido a vítima que pretendia ofender, aplicando-se as qualidades e condições desta (vítima virtual). (CP, art. 73, primeira parte).
- Exemplo: Se o agente pretendia matar seu pai (vítima virtual com agravante de parentesco) e atinge um terceiro (vítima real), responderá por homicídio consumado com a agravante do art. 61, II, ‘e’, do Código Penal.
- Aberratio Ictus com Unidade Complexa (ou Resultado Duplo)
- Descrição: Ocorre quando, além da pessoa diversa, a pessoa que se pretendia ofender também é atingida.
- Consequência: Aplica-se a regra do concurso formal de crimes (CP, art. 70, caput). O agente responde pela prática do crime mais grave, com a pena exasperada.
- Dolo: A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que o dolo inicial se estende ao resultado não pretendido, não se falando em crime culposo em relação à vítima atingida acidentalmente, mas sim em dois crimes dolosos (um consumado e um tentado, ou ambos consumados/tentados) em concurso formal.
- Concurso Formal Perfeito (próprio): Regra geral. Aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de um sexto até a metade, quando o agente, mediante uma só ação, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. (CP, art. 70, caput, primeira parte).
- Concurso Formal Imperfeito (impróprio): Aplicável se houver desígnios autônomos, ou seja, se o agente tinha a intenção de atingir ambas as vítimas. Neste caso, as penas são somadas (cúmulo material). (CP, art. 70, caput, parte final). A doutrina majoritária entende que na aberratio ictus com resultado duplo não há desígnios autônomos, aplicando-se, portanto, o concurso formal perfeito.
- Aberratio Ictus com Unidade Simples (ou Resultado Único)
- Relevância das Condições da Vítima
- Qualificadoras e Causas de Aumento/Diminuição: Serão consideradas as relativas à vítima virtual (pretendida).
- Causas de Agravantes e Atenuantes: Devem ser analisadas as de caráter subjetivo em relação ao agente e as de caráter objetivo em relação à vítima virtual.
- Erro sobre Privilégio: Se o agente supõe, por erro, que a vítima real é seu desafeto, mas na verdade mata o próprio filho (que ensejaria privilégio), não se beneficia deste. Consideram-se as características da vítima virtual.
- Distinções em Relação a Outros Institutos
- Erro sobre a Pessoa (Error in Persona)
- Diferença: No erro sobre a pessoa (CP, art. 20, § 3º), há um erro de representação da realidade. O agente confunde a vítima real com a virtual. Na aberratio ictus, a representação é correta, mas a execução é falha.
- Consequência: Apesar da distinção conceitual, a consequência jurídica é a mesma: o agente responde considerando as qualidades da vítima virtual.
- Aberratio Criminis (Resultado Diverso do Pretendido)
- Diferença: Na aberratio criminis (CP, art. 74), o erro na execução atinge bem jurídico de natureza diversa do pretendido (ex: queria danificar um carro e fere uma pessoa). Na aberratio ictus, o bem jurídico é o mesmo (vida, integridade física), apenas a titularidade muda.
- Consequência: O agente responde pelo resultado diverso a título de culpa, se previsto como crime culposo. Se o resultado pretendido também ocorre, aplica-se o concurso formal.
- Aberratio Causae (Erro sobre o Nexo Causal)
- Diferença: O agente, após realizar a conduta, crê ter produzido o resultado, mas este ocorre por um desdobramento causal diverso (ex: atira na vítima, pensa que a matou, e a joga de uma ponte para ocultar o cadáver, sendo a queda a causa real da morte).
- Consequência: A doutrina majoritária entende que o desvio causal é irrelevante se estiver na mesma linha de desdobramento da conduta inicial, respondendo o agente por crime doloso consumado.
- Erro sobre a Pessoa (Error in Persona)