Abuso de crédito

Abuso de Crédito

  • Conceito Jurídico: Prática pela qual o fornecedor de crédito (credor) ou, em menor grau, o consumidor (devedor), viola os deveres de boa-fé objetiva, lealdade e informação na concessão ou na utilização de recursos financeiros, resultando em superendividamento, onerosidade excessiva ou outras formas de prejuízo. Está intrinsecamente ligado à noção de crédito responsável.

Perspectiva do Credor (Fornecedor) – Crédito Irresponsável

  • Fundamento Legal Principal: Código de Defesa do Consumidor, especialmente com as alterações da Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento).
  • Princípio do Crédito Responsável: Dever imposto aos fornecedores de avaliar de forma diligente a capacidade de pagamento do consumidor, informá-lo adequadamente e abster-se de práticas que incentivem o superendividamento. (CDC, art. 54-D)
  • Modalidades de Abuso pelo Credor:
    • Concessão de Crédito sem Avaliação da Condição Financeira: Outorgar crédito sem verificar a situação financeira do consumidor ou de forma incompatível com sua capacidade de pagamento. (CDC, art. 54-D, I)
    • Violação do Dever de Informação Prévia e Adequada (CDC, art. 52 e 54-B):
      • Conteúdo da Informação: Falha em informar de forma clara e resumida sobre:
        • Custo Efetivo Total (CET).
        • Taxa efetiva mensal de juros e encargos.
        • Montante das prestações e prazo.
        • Soma total a pagar com e sem financiamento.
        • Direito à liquidação antecipada com redução de juros.
    • Assédio de Consumo (Marketing Agressivo): Prática de pressionar, assediar ou constranger o consumidor, especialmente o vulnerável (idoso, analfabeto, doente), para contratar crédito. (CDC, art. 54-C)
      • Vedações Expressas (CDC, art. 54-C):
        • Referir-se à oferta como “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo” ou com expressão de sentido semelhante.
        • Ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e riscos da contratação.
        • Assediar ou pressionar o consumidor para contratar, sobretudo se idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada.
    • Juros Abusivos (Usura): Imposição de taxas de juros que colocam o consumidor em desvantagem exagerada, violando a equidade contratual. (CDC, art. 51, IV; Súmula Vinculante 7; Jurisprudência do STJ sobre a taxa média de mercado).
      • Parâmetro de Abusividade: A jurisprudência do STJ considera abusivas as taxas que destoam significativamente da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para operações da mesma espécie.
    • Venda Casada: Condicionar a concessão de crédito à contratação de outros produtos ou serviços, como seguros ou títulos de capitalização. (CDC, art. 39, I)

Perspectiva do Consumidor (Devedor)

  • Conceito: Utilização do crédito de forma imprudente ou com má-fé, omitindo informações relevantes ao credor para obter recursos além de sua capacidade de pagamento.
  • Crédito e Boa-fé Objetiva: O consumidor também está sujeito aos deveres anexos da boa-fé, como o de informar corretamente sua situação financeira. (CC, art. 422)
  • Consequências do Abuso pelo Consumidor:
    • Impedimento ao Processo de Repactuação: O consumidor cujo superendividamento decorre de dívidas contraídas de má-fé, com o propósito de não realizar o pagamento, não tem direito ao processo de repactuação previsto na Lei do Superendividamento. (CDC, art. 104-A, § 4º)
    • Exclusão de Dívidas do Plano de Pagamento: Não entram no processo de repactuação as dívidas oriundas de contratos de crédito com garantia real, financiamentos imobiliários e crédito rural. (CDC, art. 104-A, § 1º)

Superendividamento como Consequência do Abuso de Crédito

  • Conceito Legal de Superendividamento: Impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural e de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. (CDC, art. 54-A, § 1º)
  • Mínimo Existencial: Parcela da renda do devedor que deve ser preservada para garantir sua subsistência e de sua família, protegida por regulamentação específica. (Decreto nº 11.567/2023)
  • Instrumentos de Combate e Tratamento:
    • Prevenção: Fomento à educação financeira e ao crédito responsável. (CDC, art. 4º, IX e X)
    • Tratamento:
      • Conciliação em Bloco: Audiência com todos os credores para apresentação de um plano de pagamento voluntário. (CDC, art. 104-A)
      • Processo Judicial de Superendividamento: Caso a conciliação não tenha êxito, instauração de processo para revisão dos contratos e estabelecimento de um plano de pagamento compulsório, com prazo máximo de 5 anos. (CDC, art. 104-B)

Consequências Jurídicas do Abuso de Crédito pelo Fornecedor

  • Nulidade de Cláusulas: São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. (CDC, art. 51, IV)
  • Revisão Contratual: Possibilidade de o Judiciário revisar o contrato para afastar abusividades, como a redução da taxa de juros para a média do mercado. (CDC, art. 6º, V)
  • Reparação de Danos: Dever de indenizar o consumidor por danos materiais (cobranças indevidas) e morais (assédio de consumo, inscrição indevida em cadastros de inadimplentes). (CDC, art. 6º, VI; CC, arts. 186 e 927)
  • Sanções Administrativas: Aplicação de multas e outras penalidades pelos órgãos de defesa do consumidor (PROCONs). (CDC, arts. 56 e seguintes)