Abuso

  • Abuso: Exercício de um poder, faculdade ou direito de forma excessiva, ilegítima ou contrária à sua finalidade social, econômica, à boa-fé ou aos bons costumes, resultando em um ato ilícito ou viciado.
  • Abuso de Direito (Direito Civil): Categoria de ato ilícito que ocorre quando o titular de um direito subjetivo o exerce de maneira manifestamente excessiva em relação aos limites impostos por sua finalidade.
    • Fundamento Legal: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” (CC, art. 187).
    • Natureza Jurídica: Ato ilícito de natureza objetiva, que independe de dolo ou culpa do agente, bastando a constatação do exercício disfuncional do direito.
    • Elementos Configuradores:
      • Titularidade de um direito subjetivo.
      • Exercício do direito de forma anormal ou disfuncional.
      • Extrapolação manifesta dos limites impostos pela:
        • Boa-fé objetiva: Padrão de conduta leal e honesta.
        • Bons costumes: Moralidade social média.
        • Finalidade econômica e social do direito.
    • Consequências:
      • Dever de indenizar os danos causados (CC, art. 927).
      • Ineficácia ou nulidade do ato praticado em abuso.
      • Possibilidade de imposição de medida para impedir a continuidade do abuso.
    • Manifestações Doutrinárias (Figuras Parcelares):
      • Venire contra factum proprium: Proibição do comportamento contraditório, que frustra uma confiança legítima gerada na outra parte.
      • Suppressio: Perda de um direito subjetivo pelo seu não exercício durante um lapso temporal capaz de gerar na outra parte a expectativa de que não mais seria exercido.
      • Surrectio: O surgimento de um direito em virtude da prática continuada de atos que geram a expectativa de sua existência.
      • Tu quoque: Aquele que violou uma norma jurídica não pode invocar a mesma norma para exercer um direito ou pretensão.
  • Abuso de Poder (Direito Administrativo): Vício de ato administrativo, configurado como gênero do qual derivam duas espécies. Atinge o ato em sua validade.
    • Excesso de Poder: O agente público atua para além dos limites de sua competência legal.
      • Característica: Vício no elemento “competência” do ato administrativo.
      • Exemplo: Policial que determina a demolição de um prédio, ato de competência do Prefeito ou de Secretário de Obras.
    • Desvio de Finalidade (ou Desvio de Poder): O agente público atua dentro de sua competência, mas com um fim diverso do interesse público ou daquele previsto em lei para o ato.
      • Característica: Vício no elemento “finalidade” do ato administrativo.
      • Exemplo: Remoção de servidor público como forma de punição, quando a remoção deveria atender apenas à necessidade do serviço.
    • Consequência: Nulidade do ato administrativo praticado com abuso de poder.
  • Abuso em Espécie (Tipologias Específicas): Manifestações do abuso em ramos específicos do Direito.
    • Direito Penal:
      • Abuso de Autoridade: Condutas abusivas praticadas por agente público no exercício de suas funções.
        • Norma: Lei nº 13.869/2019.
        • Elemento Subjetivo: Exige-se o dolo específico de prejudicar outrem, de beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou por mero capricho ou satisfação pessoal.
        • Exemplos de Crimes: Decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida (art. 10); invadir imóvel alheio sem autorização judicial (art. 22).
      • Abuso Sexual (Gênero): Abrange diversas condutas criminosas contra a dignidade sexual.
        • Estupro: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (CP, art. 213).
        • Estupro de Vulnerável: Praticar os atos do estupro com pessoa menor de 14 anos ou que não tenha o necessário discernimento para a prática do ato (CP, art. 217-A).
        • Importunação Sexual: Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro (CP, art. 215-A).
      • Maus-tratos: Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, abusando de meios de correção ou disciplina (CP, art. 136).
    • Direito do Consumidor:
      • Práticas Abusivas: Condutas do fornecedor que desequilibram a relação de consumo.
        • Fundamento: Rol exemplificativo do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
        • Exemplos: Venda casada (condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao de outro); enviar produto sem solicitação prévia; prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor.
      • Cláusulas Abusivas: Disposições contratuais que colocam o consumidor em desvantagem exagerada.
        • Fundamento: Rol exemplificativo do art. 51 do CDC.
        • Consequência: Nulidade de pleno direito da cláusula.
    • Direito da Concorrência:
      • Abuso de Poder Econômico: Condutas de agentes econômicos com posição dominante que visem a dominar mercados, eliminar a concorrência ou aumentar arbitrariamente os lucros.
        • Fundamento: CF, art. 173, § 4º, e Lei nº 12.529/2011.
        • Exemplos: Fixação de preços predatórios; criação de dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente.
        • Órgão de Controle: Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
    • Direito Processual:
      • Abuso do Direito de Ação ou de Defesa: Utilização do processo de forma temerária ou para fins ilegais.
        • Configuração: Litigância de má-fé (CPC, art. 80).
        • Hipóteses: Deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei; opor resistência injustificada ao andamento do processo; provocar incidente manifestamente infundado.
        • Sanção: Condenação do litigante de má-fé ao pagamento de multa e indenização à parte contrária (CPC, art. 81).