Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), instituída pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, é um conjunto de normas sobre normas (norma de sobredireito ou metanorma) que estabelece diretrizes gerais para a aplicação, interpretação, vigência e eficácia das leis no ordenamento jurídico brasileiro. Anteriormente denominada Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), sua nomenclatura foi alterada pela Lei nº 12.376, de 2010, refletindo seu alcance mais amplo, aplicável a todos os ramos do direito, e não apenas ao Direito Civil. A LINDB disciplina temas como a vigência da lei, a obrigatoriedade da lei, a aplicação da lei no tempo e no espaço, a interpretação e integração das normas jurídicas, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e, mais recentemente, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.655, de 2018, normas sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.


  • Conceito
    • O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, originalmente denominado Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), foi renomeado pela Lei nº 12.376/2010 para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). (DL 4.657/42, Ementa com redação dada pela Lei nº 12.376/2010).
    • É considerada uma norma de sobredireito ou “lei sobre a lei” (lex legum), pois estabelece regras para a aplicação, interpretação e integração das demais normas jurídicas no ordenamento brasileiro, não se limitando ao Direito Civil, mas aplicando-se a todos os ramos do Direito.
  • Vigência e Aplicação da Lei no Tempo
    • Obrigatoriedade da Lei
      • Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. (LINDB, art. 3º).
      • Este princípio reflete a presunção legal de conhecimento da lei, essencial para a segurança jurídica.
    • Vigência da Lei
      • Salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada (prazo de vacatio legis). (LINDB, art. 1º, caput).
      • Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, inicia-se três meses depois de oficialmente publicada. (LINDB, art. 1º, § 1º).
      • Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto para correção, o prazo de vacatio legis começa a correr da nova publicação. (LINDB, art. 1º, § 3º).
      • Correções a texto de lei já em vigor são consideradas lei nova. (LINDB, art. 1º, § 4º).
    • Término da Vigência da Lei (Revogação)
      • A lei não deixa de vigorar, salvo quando outra a modifique ou revogue. (LINDB, art. 2º, caput).
      • Revogação Expressa: Quando a nova lei declara explicitamente a revogação da anterior. (LINDB, art. 2º, § 1º).
      • Revogação Tácita: Quando a nova lei:
        • Regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
        • É incompatível com a lei anterior. (LINDB, art. 2º, § 1º).
      • Irrevogabilidade da Lei Revogadora (Efeito Repristinatório)
        • Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. (LINDB, art. 2º, § 3º).
        • A restauração da lei revogada (repristinação) só ocorre se a lei que revogou a revogadora expressamente o determinar.
    • Conflito de Leis no Tempo
      • A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (LINDB, art. 6º, caput).
      • Ato Jurídico Perfeito: Aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (LINDB, art. 6º, § 1º).
      • Direito Adquirido: Aquele cujo termo inicial de exercício se fixou, ou cujo implemento de condição se verificou, ou cujo prazo para o exercício venceu, segundo a lei vigente ao tempo em que o direito foi constituído. (LINDB, art. 6º, § 2º).
      • Coisa Julgada: A decisão judicial de que já não caiba recurso. (LINDB, art. 6º, § 3º).
  • Aplicação da Lei no Espaço (Direito Internacional Privado)
    • Regras que definem qual lei (nacional ou estrangeira) deve ser aplicada em casos com conexão internacional.
    • Lei Pessoal (Domicílio)
      • A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. (LINDB, art. 7º, caput).
      • Casamento: Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. (LINDB, art. 7º, § 1º).
      • Regime de Bens: O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal. (LINDB, art. 7º, § 4º).
      • Divórcio: O divórcio, quando um ou ambos os cônjuges forem estrangeiros, pode ser realizado no Brasil, se as leis dos países de ambos os cônjuges o admitem, ou se a lei de um deles o admitir e o outro cônjuge tiver domicílio no Brasil. (LINDB, art. 7º, § 6º, com redação da Lei nº 12.036/2009).
    • Bens
      • Para qualificar e reger as relações concernentes aos bens, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. (LINDB, art. 8º).
      • Bens móveis que o proprietário trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares regem-se pela lei do país em que for domiciliado o proprietário. (LINDB, art. 8º, § 1º).
    • Obrigações
      • A obrigação resultante de contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. (LINDB, art. 9º, § 2º).
      • Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. (LINDB, art. 9º, § 1º).
    • Sucessão
      • A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. (LINDB, art. 10, caput).
      • A sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (LINDB, art. 10, § 1º).
    • Pessoa Jurídica
      • As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. (LINDB, art. 11, caput).
    • Homologação de Sentença Estrangeira
      • As sentenças proferidas em país estrangeiro só terão eficácia no Brasil após homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). (LINDB, art. 15, caput).
      • As sentenças meramente declaratórias de estado de pessoas não dependem de homologação. (LINDB, art. 15, Parágrafo único, revogado pela Lei nº 12.036/2009, que transferiu a competência para o STJ).
  • Interpretação e Integração das Normas Jurídicas
    • Interpretação da Lei
      • Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. (LINDB, art. 5º).
      • Este artigo consagra a interpretação teleológica e sociológica da lei.
    • Integração da Lei (Lacunas da Lei)
      • Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (LINDB, art. 4º).
      • Analogia: Aplicação de uma disposição legal a um caso semelhante, não previsto expressamente pela lei.
      • Costumes: Práticas reiteradas e observadas como obrigatórias em determinada sociedade.
      • Princípios Gerais de Direito: Ideias fundamentais e postulados que inspiram o ordenamento jurídico, mesmo que não estejam expressos em norma.
  • Novas Disposições da LINDB (Lei nº 13.655/2018)
    • A Lei nº 13.655/2018 adicionou 10 artigos (20 a 30) à LINDB, visando aprimorar a segurança jurídica e a eficiência na aplicação do direito público.
    • Art. 20 (Motivação e Consequências Práticas)
      • Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
      • A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
    • Art. 21 (Compensação e Sanções)
      • A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
      • A invalidação de ato ou contrato administrativo deverá observar o princípio da segurança jurídica, com base na razoabilidade.
    • Art. 22 (Interpretação de Normas de Gestão Pública)
      • Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
      • O disposto no caput aplica-se a qualquer situação em que a Administração Pública atue.
    • Art. 23 (Decisões com base em Nova Interpretação)
      • A decisão que impuser compensação ou sanção em razão de nova interpretação ou orientação, sem previsão legal expressa anterior, deverá prever regime de transição para o cumprimento das novas obrigações.
    • Art. 24 (Revisão e Vícios Sanáveis)
      • A revisão de atos, processos ou decisões administrativas que produzam efeitos patrimoniais contínuos no tempo poderá ser feita a qualquer tempo, mas o ato de anulação ou revisão deverá considerar os efeitos produzidos até a data da revisão.
    • Art. 25 (Garantia de Continuidade)
      • As decisões que imponham deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos ou atividades deverão observar a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade estrita, sem prejuízo da presunção de legitimidade dos atos administrativos.
    • Art. 26 (Compromisso e Termo de Ajustamento de Conduta)
      • Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, a autoridade poderá, em certos casos, celebrar compromisso com os interessados, observados os princípios da legalidade e da transparência.
    • Art. 27 (Decisões Administrativas e Judiciais)
      • As decisões administrativas e judiciais que não indicarem os seus fundamentos de fato e de direito não são consideradas motivadas para fins de validade e eficácia.
    • Art. 28 (Decisão por Colegiado)
      • O agente público que, em sua atuação, incorrer em erro de direito, ou seja, interpretar erroneamente uma norma, não será responsabilizado, salvo se agir com dolo ou erro grosseiro.
    • Art. 29 (Consulta Pública)
      • Em qualquer processo administrativo ou judicial que envolva a aplicação da lei, a autoridade poderá ouvir as partes e terceiros interessados para a elaboração de uma decisão que melhor atenda aos fins sociais e às exigências do bem comum.
    • Art. 30 (Regulamentação de Atos)
      • As autoridades públicas deverão atuar de forma a propiciar a segurança jurídica na aplicação das normas, incentivando a resolução consensual de conflitos e a adoção de boas práticas de gestão.

Correlato

  • Vigência da Lei — disciplinada pela
  • Vacatio Legis — conceito relacionado ao início da vigência (Art. 1º LINDB)
  • Revogação da Lei — disciplinada pelo Art. 2º da LINDB
  • Repristinação — vedada implicitamente pelo Art. 2º, §3º da LINDB
  • Princípio da Obrigatoriedade da Lei — consagrado no Art. 3º da LINDB
  • Interpretação da Lei — orientada pelo Art. 5º da LINDB
  • Integração da Norma Jurídica — mecanismos previstos no Art. 4º da LINDB (Analogia, Costumes, Princípios Gerais do Direito)
  • Analogia — é forma de integração
  • Costumes — é forma de integração
  • Princípios Gerais do Direito — é forma de integração
  • Ato Jurídico Perfeito — protegido pelo Art. 6º da LINDB e Art. 5º, XXXVI da CF/88
  • Direito Adquirido — protegido pelo Art. 6º da LINDB e Art. 5º, XXXVI da CF/88
  • Coisa Julgada — protegida pelo Art. 6º da LINDB e Art. 5º, XXXVI da CF/88
  • Conflito de Leis no Tempo (Direito Intertemporal) — regrado fundamentalmente pelo Art. 6º da LINDB
  • Conflito de Leis no Espaço (Direito Internacional Privado) — regrado pelos Arts. 7º a 19 da LINDB
  • Segurança Jurídica — princípio reforçado e detalhado pelos Arts. 20 a 30 da LINDB (pós Lei 13.655/2018)
  • Responsabilidade do Agente Público — regras de responsabilização dispostas no Art. 28 da LINDB (pós Lei 13.655/2018)
  • Direito Administrativo — impactado significativamente pelos Arts. 20 a 30 da LINDB
  • Constituição Federalfundamento de validade e norma hierarquicamente superior que dialoga com a LINDB (ex: Art. 5º, XXXVI)