Processo em segredo de justiça (14/5/2025)

Assunto/Tema Central: Inviabilidade da requisição direta de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) pelo Ministério Público (ou outros órgãos de persecução penal) ao COAF/UIF sem prévia autorização judicial. Esclarecimento de que o Tema 990 da Repercussão Geral do STF não abrange tal solicitação direta.
Palavras-chave: Relatório de Inteligência Financeira (RIF), COAF (UIF), Ministério Público, Polícia, Requisição Direta de Dados, Autorização Judicial Prévia, Reserva de Jurisdição, Sigilo Financeiro, Proteção de Dados Pessoais, Direito à Privacidade, Artigo 5º CF, Tema 990 STF, Persecução Penal, Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998).

Tese Jurídica

  1. A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF sem autorização judicial é inviável.
  2. O tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial.

Controvérsia

A controvérsia central reside em definir se os órgãos de persecução penal, notadamente o Ministério Público, podem requisitar diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF), relatórios de inteligência financeira (RIF) sem a necessidade de prévia autorização judicial, e qual o alcance do Tema 990 da Repercussão Geral do STF nesse contexto.

Contexto

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1.055.941 (Tema 990 da Repercussão Geral), considerou constitucional o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira da UIF (antigo COAF) e da íntegra de procedimentos fiscalizatórios da Receita Federal com órgãos de persecução penal, para fins criminais, sem prévia autorização judicial. Esse compartilhamento ocorre por iniciativa dos órgãos de controle (COAF/RFB) quando identificam indícios de ilícitos.

A discussão subsequente, objeto deste julgado do STJ, é se o Tema 990/STF também autorizaria a via inversa: a solicitação direta de tais relatórios pelos órgãos de persecução penal ao COAF/UIF, sem ordem judicial.

A UIF/COAF analisa dados financeiros fornecidos por instituições obrigadas (Lei nº 9.613/1998) e, identificando indícios de crimes como lavagem de dinheiro, produz RIFs que são encaminhados às autoridades competentes. Esses relatórios, embora não sejam quebras de sigilo bancário stricto sensu, contêm informações financeiras sensíveis protegidas pelo direito à privacidade (art. 5º, X e LXXIX, CF).

Ratio Decidendi

A Terceira Seção do STJ, por maioria, concluiu pela inviabilidade da requisição direta de RIFs sem autorização judicial, pelos seguintes fundamentos:

  1. Alcance Restrito do Tema 990/STF: O Tema 990/STF tratou especificamente do compartilhamento de informações pelo COAF/UIF e pela Receita Federal para os órgãos de persecução penal (via única, de órgão de controle para órgão de persecução). Não abrangeu, nem autorizou, a solicitação direta de informações pelos órgãos de persecução ao COAF/UIF (via dupla ou inversa).
  2. Natureza da Atividade do COAF/UIF: O COAF/UIF atua como unidade de inteligência, recebendo comunicações de operações suspeitas, analisando-as e, se for o caso, comunicando espontaneamente às autoridades competentes (art. 15 da Lei nº 9.613/1998). Não lhe cabe realizar quebra de sigilo bancário ou fiscal por requisição externa sem ordem judicial; sua atuação se baseia nos dados já legalmente acessíveis a ele.
  3. Proteção a Direitos Fundamentais: A requisição direta de RIFs por órgãos de persecução penal, sem autorização judicial, implicaria acesso a dados financeiros sensíveis, violando o direito à privacidade e à proteção de dados (art. 5º, X e LXXIX, CF), que são protegidos por cláusula de reserva de jurisdição para sua quebra. Embora os RIFs sejam peças de informação, a sensibilidade dos dados neles contidos demanda controle judicial prévio para acesso requisitado.
  4. Interpretação da Lei nº 9.613/1998: O art. 15 da Lei de Lavagem de Dinheiro prevê a comunicação do COAF/UIF às autoridades, não a requisição destas ao COAF/UIF.
  5. Distinção entre Compartilhamento e Requisição: O compartilhamento espontâneo autorizado pelo Tema 990/STF parte de uma análise interna do órgão de controle, que identifica um possível ilícito. A requisição direta, por outro lado, seria uma medida investigativa ativa do órgão de persecução sobre dados sigilosos, o que atrai a necessidade de autorização judicial.

Tese Afastada: Foi afastada a interpretação de que o Tema 990/STF permitiria aos órgãos de persecução penal requisitar diretamente ao COAF/UIF relatórios de inteligência financeira sem necessidade de autorização judicial.

Fundamentos

  • Constituição Federal (CF), art. 5º, X e LXXIX.
  • Lei n. 9.613/1998, artigos 9º, 11 e 15.
  • Tema 990 da Repercussão Geral do STF (RE 1.055.941).

Observações

  • Segredo de Justiça: O processo tramitou em segredo de justiça, mas as teses fixadas são de relevância pública.
  • Impacto na Investigação Criminal: A decisão reforça a necessidade de autorização judicial para que órgãos de persecução penal acessem diretamente Relatórios de Inteligência Financeira, resguardando o sigilo financeiro e o direito à privacidade, em consonância com a reserva de jurisdição.
  • Distinção Importante: Fica clara a distinção entre o compartilhamento espontâneo de informações pelo COAF/UIF (permitido sem autorização judicial, conforme Tema 990/STF) e a requisição direta dessas informações pelos órgãos de persecução (que exige autorização judicial).
  • Equilíbrio: A decisão busca um equilíbrio entre a eficiência da persecução penal e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.