Processo em segredo de justiça (14/5/2025)

1. A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF sem autorização judicial é inviável. 2. O tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial.

Análise Detalhada da Controvérsia

Questão Jurídica CentralPosicionamento do STJ
É possível que o Ministério Público ou a autoridade policial requisite diretamente ao COAF (UIF) relatórios de inteligência financeira, sem prévia autorização do Poder Judiciário?Não. O STJ entendeu que essa solicitação direta, sem o devido controle judicial prévio, não é permitida.

Fundamentos da Decisão

ArgumentoDesenvolvimento
Interpretação Restritiva do Tema 990/STFO STJ esclareceu que a decisão do STF no Tema 990 permitiu o compartilhamento de informações do COAF (UIF) e da Receita Federal com os órgãos de persecução penal, mas não a solicitação direta (via inversa) por estes órgãos sem autorização judicial.
Proteção a Direitos FundamentaisA requisição direta de dados financeiros representa uma restrição a direitos fundamentais como a privacidade e a proteção de dados pessoais (art. 5º, X e LXXIX, da CF). Tais medidas exigem um controle jurisdicional cuidadoso.
Previsão Legal (Lei nº 9.613/1998)A Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 15) prevê que o COAF (UIF) comunicará as autoridades competentes quando identificar indícios de crimes. A lei não estabelece uma via de mão dupla, ou seja, não autoriza a requisição direta pelas autoridades de persecução.
Natureza da InformaçãoEmbora os relatórios de inteligência financeira (RIFs) não se confundam com a quebra de sigilo bancário, eles contêm informações sensíveis. A constitucionalidade do compartilhamento se dá apesar da sensibilidade, o que reforça a necessidade de controle.
TEXTO OFICIAL

A questão em discussão consiste em saber se é possível a solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) sem autorização judicial.

Como se sabe, em 2019, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, fixou tese no tema 990 da repercussão geral e consolidou o seguinte entendimento: “1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios” (RE 1.055.941, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, DJe 18/3/2021).

Muito embora a tese tenha trazido clareza acerca da possiblidade de compartilhamento de dados da Receita Federal do Brasil – RFB e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf com os órgãos de persecução penal sem autorização judicial, a partir da fixação desse entendimento, derivaram duas grandes discussões nos Tribunais do país: a primeira, se a via contrária seria possível, isto é, se os órgãos de persecução penal estariam autorizados a solicitarem relatórios de inteligência financeira diretamente, sem, portanto, autorização judicial; e a segunda, se o procedimento formal a que faz referência o tema implicaria a necessidade de instauração de inquérito policial ou de procedimento investigatório criminal, ou seja, se seria possível a solicitação em procedimento formal diverso.

O contexto jurisprudencial, portanto, de posições dissonantes evidencia a dificuldade do equilíbrio entre a eficiência na investigação criminal e a proteção de direitos fundamentais das pessoas submetidas à jurisdição penal.

Conforme mencionado anteriormente, o objeto do tema da repercussão geral 990, do Supremo Tribunal Federal, consiste no exame da constitucionalidade do compartilhamento de informações financeiras e fiscais entre órgãos de controle e autoridades de persecução penal sem a necessidade de autorização judicial prévia. A matéria se insere em um debate jurisprudencial mais amplo sobre a proteção de dados pessoais e, por conseguinte, do direito à privacidade, e a eficiência de investigações criminais.

A Constituição Federal assegura o direito fundamental à privacidade e à proteção de dados pessoais (art. 5º, incisos X e LXXIX da CF), de modo que medidas que restrinjam tais direitos devem, sempre, ser analisadas de forma cuidadosa, especialmente, quando se está a tratar do tema de forma geral e abstrata, como é o caso de um tema em repercussão geral.

A Unidade de Inteligência Financeira (UIF) é um órgão dotado de autonomia técnica e operacional, vinculado administrativamente ao Banco Central do Brasil, responsável por produzir e gerir informações de inteligência financeira que sirvam para prevenir e combater crimes como lavagem de lavagem de dinheiro, financiamento de terrorismo, financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, dentre outros. A Unidade, portanto, administra e analisa inúmeros dados financeiros, fornecidos por bancos, seguradoras, cartórios etc., que podem ser encaminhados à Receita Federal do Brasil e aos órgãos de persecução criminal em caso de indícios de ilicitude tributária ou penal.

O Coaf é a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) do Brasil e, assim, a autoridade administrativa central do sistema de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, especialmente no recebimento, análise e disseminação de informações de inteligência financeira.

Como Unidade de Inteligência Financeira, o Coaf recebe informações pelos sujeitos obrigados, nas hipóteses previstas pela Lei n. 9.613/1998, cruza os dados e produz os respectivos relatórios de inteligência, sem emitir qualquer juízo de veracidade das informações ou investigar potenciais ilicitudes.

A Lei n. 9.613/1998, determina, em seu art. 11, que as instituições financeiras e demais pessoas físicas e jurídicas que trabalhem com recursos financeiros, moeda estrangeira, títulos mobiliários etc. (art. 9º) comuniquem ao Coaf qualquer movimentação financeira atípica, ou seja, que ultrapasse determinado valor que é fixado pela autoridade administrativa.

Com as informações que recebe, o Coaf analisa o dado com o objetivo de identificar se existe nela algum indício de lavagem de dinheiro, de financiamento do terrorismo ou de outros crimes. Caso seja identificado algum indício de ilícito é, então, elaborado o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) que é encaminhado às autoridades competentes para a respectiva investigação.

Do ponto de vista legal, o fundamento para o compartilhamento se concentra na previsão do art. 15, Lei n. 9.613/1998, que estabelece que “(o) Coaf comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito”.

Da leitura do dispositivo, podem ser extraídas duas conclusões relevantes. O artigo 15 da Lei de Lavagem de dinheiro trata, ao menos de forma expressa, apenas, do compartilhamento pelo Coaf às autoridades competentes, e não da via oposta. E, ainda, fica claro que o Coaf não tem autoridade para realizar quebra de sigilo bancário e fiscal. Trabalha com a informação fornecida para produzir seus relatórios e, caso identifique irregularidades, como dito anteriormente, encaminha para os órgãos competentes para a apuração.

Conquanto os relatórios de inteligência possuam menor nível de detalhamento sobre as movimentações financeiras em comparação, por exemplo, a uma quebra de sigilo bancário, não há dúvida de que as informações veiculadas no instrumento são sensíveis, tanto que levou o Supremo Tribunal Federal a examinar a constitucionalidade de compartilhamento sem autorização judicial.

Não é porque o Supremo fixou tese pela constitucionalidade do compartilhamento ou mesmo a natureza jurídica de peças de informação dos relatórios de inteligência que as informações veiculadas nos relatórios de inteligência não são sensíveis. Pelo contrário, o compartilhamento é constitucional apesar da sensibilidade da informação. E a natureza de elemento de informação se justifica pela inexistência, como visto, de verificação de veracidade da informação pela autoridade administrativa.

A partir desse contexto normativo e jurisprudencial, portanto, verifica-se que o tema 990 da repercussão geral cuidou, apenas, da hipótese de compartilhamento da informação do Coaf e da Receita Federal para os órgãos de persecução penal. Na via única, e não na via dupla. Não tratou, portanto, da hipótese, completamente diferente, de uma solicitação feita pela autoridade policial ou pelo Ministério Público.

Nesse sentido, fixam-se as seguintes teses:

1. A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF sem autorização judicial é inviável.

2. O tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, por maioria, julgado em 14/5/2025.

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