REsp 2.111.839-RS

Assunto/Tema Central: Manutenção da impenhorabilidade do bem de família sobre imóvel residencial transmitido por herança e que continua servindo de moradia para os herdeiros, mesmo antes da partilha formal e independentemente do registro do imóvel ainda estar em nome do autor da herança, em face de dívidas contraídas pelo falecido.
Palavras-chave: Direito Civil, Direito das Sucessões, Bem de Família, Impenhorabilidade, Herança, Espólio, Dívidas do Falecido, Moradia Familiar, Residência dos Herdeiros, Lei nº 8.009/1990, Código Civil, Princípio da Saisine, Partilha, Registro Imobiliário.

Tese Fixada

“A transmissão hereditária, por si, não tem a capacidade de desconfigurar ou afastar a natureza de bem de família, se mantidas as características de imóvel residencial próprio da entidade familiar.”

Controvérsia

A controvérsia reside em determinar se um imóvel residencial pertencente ao espólio, utilizado como moradia por herdeiros do falecido, pode ser penhorado para satisfazer dívidas contraídas pelo autor da herança, ou se tal bem permanece protegido pela impenhorabilidade do bem de família (Lei nº 8.009/1990), mesmo antes da formalização da partilha.

Contexto

A Lei nº 8.009/1990 protege o imóvel residencial da entidade familiar contra penhora por dívidas, com exceções taxativas. O Código Civil, por sua vez, estabelece que a herança responde pelas dívidas do falecido (art. 1.997) e que, com a abertura da sucessão, a herança se transmite imediatamente aos herdeiros (princípio da saisine, art. 1.784). A questão é como compatibilizar essas normas quando o único imóvel residencial do falecido passa a ser a moradia dos herdeiros.

Ratio Decidendi

A Quarta Turma do STJ, por unanimidade, reafirmou a proteção do bem de família no contexto sucessório, com base nos seguintes fundamentos:

  1. Natureza da Impenhorabilidade do Bem de Família: A Lei nº 8.009/1990 institui norma cogente, de ordem pública, que visa salvaguardar o direito à moradia e outros valores constitucionais. Suas exceções são taxativas e devem ser interpretadas restritivamente.
  2. Responsabilidade Patrimonial e Proteção Legal: A regra de que a herança responde pelas dívidas do falecido (art. 1.997 do CC) não se sobrepõe à proteção legal do bem de família. Se o imóvel era impenhorável enquanto o devedor era vivo, essa proteção se estende aos herdeiros que nele residem, desde que preenchidos os requisitos da Lei nº 8.009/1990.
  3. Princípio da Saisine (Art. 1.784 do CC): Com a abertura da sucessão, a herança, incluindo o imóvel, transmite-se imediatamente aos herdeiros. Estes sucedem o falecido na titularidade do patrimônio, assumindo-o na mesma condição jurídica anterior, o que inclui as proteções legais como a impenhorabilidade do bem de família.
  4. Irrelevância de Formalidades Registrais ou Partilha Imediata: A caracterização do bem de família decorre da situação fática de sua utilização como residência da entidade familiar. A ausência de partilha formal ou a manutenção do registro do imóvel em nome do de cujus não são, por si sós, capazes de desconfigurar a natureza de bem de família ou afastar a proteção legal, desde que os herdeiros continuem a utilizar o imóvel como sua moradia.
  5. Continuidade da Proteção: A transmissão hereditária não interrompe a proteção se o imóvel continua a servir como residência para a nova entidade familiar formada pelos herdeiros.

Tese Afastada: O entendimento de que a ausência de partilha formal e a permanência do registro do imóvel em nome do falecido seriam óbices à invocação da proteção do bem de família pelos herdeiros residentes no imóvel.

Fundamentos

  • Lei n. 8.009/1990, artigos 1º, 3º e 5º.
  • Código Civil (CC/2002), artigos 1.784 e 1.997.

Observações

  • Proteção ao Direito à Moradia: A decisão reforça a primazia do direito fundamental à moradia, estendendo a proteção do bem de família aos herdeiros que efetivamente residem no imóvel herdado.
  • Prevalência da Realidade Fática: Prioriza-se a situação fática de residência da entidade familiar em detrimento de formalidades registrais ou da conclusão do inventário e partilha para fins de reconhecimento da impenhorabilidade.
  • Segurança Jurídica para Herdeiros: Oferece maior segurança jurídica aos herdeiros quanto à manutenção da moradia familiar, mesmo diante de dívidas deixadas pelo autor da herança, desde que configurados os requisitos legais do bem de família.