Doutrina
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A Regra Jurídica
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No universo do direito, a compreensão de seus conceitos fundamentais é a chave para uma análise profunda e precisa. Muitas vezes, a falta de distinção entre termos essenciais leva a equívocos que dificultam o entendimento. Este post mergulha na essência da regra jurídica, do suporte fático, da incidência e da eficácia jurídica, desmistificando a relação entre eles e iluminando as diferenças cruciais entre direito objetivo e direito subjetivo.

1. A Regra Jurídica e o Suporte Fático: A Base da Ordem

A regra jurídica é concebida como uma norma pela qual o ser humano busca subordinar os fatos a uma ordem e previsibilidade, com o objetivo de distribuir os bens da vida. Existem três momentos distintos relacionados à regra jurídica:

  • O fato de legislar: a criação ou edição da regra jurídica.
  • O fato de existir: a regra jurídica, uma vez criada, passa a existir independentemente do legislador.
  • O fato de incidir: a regra jurídica entra em ação sempre que aquilo que ela prevê e regula ocorre.

Aquilo que é previsto pela regra e sobre o qual ela incide é o suporte fático. Este é um conceito de altíssima relevância para as investigações científicas do direito. No contexto do direito já estabelecido (lex lata), o que nos interessa particularmente são:

  • A existência da regra jurídica no mundo das relações humanas e do pensamento.
  • A composição dos suportes fáticos.
  • O fato da incidência.

Para compreender o direito, somos levados a tratar seus problemas como um físico trataria os seus: observando-os no mundo dos fatos, que é seguido pelo mundo jurídico (e que é parte dele).

2. A Essência dos Fatos no Direito

Quando falamos de “fatos”, referimo-nos a algo que já ocorreu, ocorre ou ocorrerá. O próprio mundo é a soma de todos os fatos passados e o cenário para os futuros. Contudo, no estudo do direito, é vital discernir o mundo jurídico do que não pertence a ele. A falta de atenção a essa distinção pode levar a muitos erros e privar a inteligência humana da capacidade de entender, intuir e dominar o direito.

3. Incidência e Aplicação: Uma Distinção Crucial

Uma das armadilhas teóricas a serem evitadas é a ideia de que a incidência das regras jurídicas seja apenas provável ou suscetível de não ocorrer. Essa visão é falsa, pois a sociedade não seria organizada deixando margem à não-incidência, o que tornaria o ordenamento ilógico. Frequentemente, há uma confusão entre incidência e aplicação, levando a teorias incorretas de que algumas regras jurídicas não se aplicam e, portanto, não seriam.

Para um estudo sério do direito, é essencial considerar a seguinte sequência ordenada:

  • A elaboração da regra jurídica (que é um fato político).
  • A regra jurídica em si (que é o fato criador do mundo jurídico).
  • O suporte fático (abstrato), ao qual a regra se refere.
  • A incidência, que ocorre quando o suporte fático (concreto) se manifesta.
  • O fato jurídico, que é o resultado dessa incidência.
  • A eficácia do fato jurídico, que abrange as relações jurídicas e os demais efeitos dos fatos jurídicos.

4. Fatos Jurídicos e Eficácia Jurídica: Consequências no Mundo do Direito

O direito, com sua característica estabilizadora, promete que o que é juridicamente continuará a ser, ou que produzirá determinados efeitos. A eficácia jurídica é definida como o que se produz no mundo do direito como decorrência dos fatos jurídicos. É importante notar que a eficácia jurídica não corresponde ao suporte fático (Tatbestand). Os elementos do suporte fático são meros pressupostos para o fato jurídico.

O fato jurídico é aquilo que, a partir do suporte fático, ingressa no mundo jurídico por meio da incidência da regra jurídica sobre o suporte. Consequentemente, somente dos fatos jurídicos provém a eficácia jurídica.

5. Direito Objetivo e Direito Subjetivo: Duas Facetas do Mesmo Conceito?

A distinção entre direito objetivo e direito subjetivo é um ponto de grande debate, muitas vezes comparado a discutir a diferença entre fogo e cinza. No entanto, a distinção é crucial:

  • O direito objetivo é a regra jurídica. Ele existe antes de qualquer direito subjetivo e de ser “subjetivado”.
  • Os suportes fáticos só ingressam no mundo jurídico, tornando-se fatos jurídicos, após a incidência da regra jurídica (o direito objetivo).
  • Os direitos subjetivos e todos os demais efeitos são a eficácia do fato jurídico; portanto, são posteriores (posterius).

As expressões “direito” em “direito objetivo” e “direito subjetivo” referem-se a duas acepções diferentes da palavra, representando dois fatos distintos.

O direito objetivo é um fato do mundo político que estabelece as fronteiras do mundo jurídico e o cria. É da incidência do direito objetivo (das regras jurídicas) que resultam os fatos jurídicos e, consequentemente, o mundo jurídico. Já o direito subjetivo é um efeito dos fatos jurídicos. Se falamos de direitos subjetivos “antes das leis”, é porque houve uma lei anterior que, ao incidir, produziu os fatos jurídicos dos quais esses direitos subjetivos emanaram.

As confusões históricas, como as dos séculos XVIII e XIX que falavam de direitos “pré-constitucionais” ou direitos subjetivos em sentido político (e não jurídico), levaram a lamentáveis obscurecimentos na compreensão do direito.