A principal questão jurídica que o TST foi chamado a resolver de forma definitiva era:
O descumprimento da obrigação contratual de recolhimento dos depósitos de FGTS, seja pela ausência total ou pela irregularidade (atrasos, depósitos parciais), constitui falta grave do empregador suficiente para justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do artigo 483, alínea “d”, da CLT?
Além disso, uma segunda dúvida, igualmente relevante, precisava ser sanada:
Para que o empregado possa pleitear a rescisão indireta por essa razão, é necessário que ele aja com imediatidade, ou seja, logo após tomar ciência da primeira falha?
Havia uma forte divergência entre o entendimento consolidado no TST e as decisões de diversos Tribunais Regionais, o que gerava insegurança jurídica e um volume massivo de recursos sobre o mesmo tema.
Tabela Comparativa de Entendimentos Judiciais:
Posição do Tribunal Superior do Trabalho (TST) | Posição Divergente de Tribunais Regionais (TRTs) |
A ausência ou irregularidade no depósito do FGTS é, por si só, uma falta grave. | A falha no depósito do FGTS não é grave o suficiente para justificar a rescisão. |
Trata-se de um descumprimento direto da principal obrigação contratual do empregador. | Seria uma irregularidade que poderia ser sanada posteriormente, via ação judicial, sem a necessidade de romper o contrato. |
O requisito da imediatidade é flexibilizado ou dispensado, pois a falta se renova mês a mês. | A demora do trabalhador em reclamar (falta de imediatidade) configuraria um “perdão tácito”, impedindo a rescisão. |
Violação direta do artigo 483, “d”, da CLT e do direito fundamental do trabalhador (art. 7º, III, CF). | O empregado que continua trabalhando, mesmo sem os depósitos, não demonstra que a relação se tornou insustentável. |
Tese Firmada
Após analisar a jurisprudência pacificada em todas as suas oito Turmas e na Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), o Tribunal Pleno do TST, em 24 de fevereiro de 2025, decidiu por unanimidade reafirmar sua posição, fixando a seguinte tese, que agora possui força obrigatória para todo o Judiciário Trabalhista:
“A ausência ou irregularidade no recolhimento dos depósitos de FGTS caracteriza descumprimento de obrigação contratual, nos termos do art. 483, “d”, da CLT, suficiente para configurar a rescisão indireta do contrato de trabalho, sendo desnecessário o requisito da imediatidade.”
Desdobramentos Práticos do Julgamento
Esta decisão tem implicações profundas e diretas para as relações de trabalho no Brasil.
Para o Empregado (Trabalhador):
- Segurança Jurídica: Você agora tem a certeza de que a falha no depósito do seu FGTS é motivo legal para pedir a rescisão indireta.
- Direito Potestativo: O direito de considerar o contrato rescindido é seu. O empregador que não deposita o FGTS dá a você a opção de sair do emprego recebendo todas as verbas rescisórias, como se tivesse sido demitido sem justa causa.
- Fim da Exigência de Imediatidade: Você não perde o direito de pedir a rescisão indireta se demorar para entrar com a ação. O TST entende que a falta do empregador se renova a cada mês em que o depósito não é feito, o que o protege contra o argumento de “perdão tácito”.
- Verbas Rescisórias Garantidas: Ao ter a rescisão indireta reconhecida por este motivo, você terá direito a:
- Saldo de salário.
- Aviso prévio indenizado.
- Férias vencidas e proporcionais, com acréscimo de 1/3.
- 13º salário proporcional.
- Levantamento integral dos depósitos de FGTS (incluindo os que o empregador será obrigado a regularizar).
- Multa de 40% sobre o saldo total do FGTS.
- Seguro-desemprego (se preenchidos os demais requisitos legais).
Para o Empregador (Empresa):
- Alerta Máximo: A decisão serve como um aviso contundente. Manter os depósitos de FGTS em dia não é uma opção, mas uma das principais obrigações contratuais.
- Risco Elevado: O passivo trabalhista de uma empresa que falha com o FGTS é imenso. Além de arcar com todos os custos de uma demissão sem justa causa, a empresa pode perder um funcionário a qualquer momento por sua própria falha.
- Inviabilidade de Defesa: Argumentos como “dificuldade financeira temporária” ou “a falha é pequena e pode ser corrigida” não serão mais aceitos pela Justiça do Trabalho para afastar a rescisão indireta.
- Gestão Preventiva: É crucial que as empresas implementem controles rigorosos para garantir a regularidade mensal dos depósitos de FGTS. A negligência neste ponto pode levar a uma “hemorragia” de ações de rescisão indireta, comprometendo a saúde financeira e operacional do negócio.