As temperaturas anormais são um dos agentes prejudiciais à saúde mais complexos de se comprovar para fins de aposentadoria especial. A legislação mudou diversas vezes ao longo das décadas, criando uma verdadeira colcha de retalhos de regras que confundem tanto o segurado quanto as empresas.
Se você trabalha ou trabalhou exposto ao calor excessivo, entender essas regras é o primeiro passo para garantir seu direito. O enquadramento não depende apenas do “calor” que você sente, mas de uma medição técnica precisa e do período exato em que o trabalho foi realizado.
O agente “calor” está previsto na Subseção V da Instrução Normativa do INSS que trata dos agentes prejudiciais à saúde. A complexidade surge porque o INSS altera suas próprias regras para se adequar aos decretos presidenciais e às Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho.
Neste guia completo para 2025, vamos detalhar os 5 critérios essenciais que o INSS utiliza para analisar a exposição a temperaturas anormais, com foco no agente calor, e como você pode comprovar seu direito.
O Que São Consideradas Temperaturas Anormais para o INSS?
Para a legislação previdenciária, “temperaturas anormais” não é uma sensação subjetiva de desconforto. Trata-se de um agente físico nocivo, quantificável, que ultrapassa os limites de tolerância estabelecidos e pode causar danos fisiológicos ao trabalhador.
Na prática, o INSS foca quase que exclusivamente no agente calor. A exposição contínua ao calor excessivo pode levar à sobrecarga térmica, desidratação, exaustão e, em casos extremos, à morte. Por isso, é considerado um agente que dá direito à aposentadoria especial.
O Art. 293 da Instrução Normativa PRES/INSS nº 128/2022 (com as alterações da IN 141/2022) é claro ao afirmar que a exposição ocupacional ao calor dará ensejo à caracterização de atividade especial.
No entanto, o como essa caracterização é feita depende inteiramente da data da prestação do serviço. O que valia em 1995 não vale hoje. Entender essa linha do tempo é o segredo para ter o benefício aprovado. As temperaturas anormais são, portanto, um conceito técnico-legal.
A Legislação Específica Sobre Exposição ao Calor (NR-15 e INSS)
O INSS não cria seus próprios limites de calor. Ele “importa” os limites de tolerância definidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), especificamente os do Anexo 3 da Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15).
Essa norma estabelece os “Limites de Tolerância para Exposição ao Calor”. Ela define a metodologia de medição e os limites máximos de calor (medidos em IBUTG) aos quais um trabalhador pode estar exposto, com base no tipo de atividade (leve, moderada, pesada) e no regime de trabalho (contínuo ou intermitente com descanso).
Você pode consultar a norma completa diretamente no portal do governo. Acesse aqui a NR-15.
O Art. 293 da IN do INSS, em suas várias redações, faz referência direta a esse anexo. Portanto, a análise do direito à aposentadoria especial por temperaturas anormais é, na verdade, uma análise da conformidade com a NR-15 no período trabalhado.
A confusão que vemos na prática é que a própria NR-15 e as normas técnicas de medição (como a NHO-06) também mudaram ao longo dos anos, e o INSS teve que adaptar suas regras para refletir essas mudanças.
Tabela Comparativa: Agente Calor vs. Agente Frio
Embora o termo “temperaturas anormais” possa incluir tanto o calor quanto o frio, a legislação previdenciária e as normas do INSS (como o Art. 293) são historicamente focadas no calor. O frio é um agente mais complexo de enquadrar, muitas vezes dependendo de análise judicial.
Agente Nocivo | Foco da Legislação (Art. 293 IN 128) | Método de Medição | Previsão Normativa (INSS) |
|---|---|---|---|
Calor | Principal. Foco em ambientes fechados ou com fonte artificial. | IBUTG (Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo). | Detalhado (Anexo 3 da NR-15). |
Frio | Secundário. Não é detalhado no Art. 293. | Temperatura (em °C). | Geralmente enquadrado pelo Anexo do Decreto 53.831/64 (item 1.1.2, câmaras frigoríficas). |
Como o texto da Instrução Normativa foca especificamente no calor, todo o restante deste artigo analisará os critérios para a comprovação deste agente, que é a forma mais comum de enquadramento por temperaturas anormais.
O Guia Definitivo dos Critérios para Enquadramento

Para ter seu pedido de aposentadoria especial por temperaturas anormais aprovado, o perito do INSS irá analisar seu Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e o LTCAT da empresa, e comparar os dados com a legislação vigente na época do trabalho.
Dividimos essa análise em 5 critérios essenciais, que são, na verdade, os diferentes períodos legais.
Critério 1: Período até 05/03/1997 (Véspera do Decreto nº 2.172/97)
Este é o período mais “simples” para o enquadramento do calor. A regra era qualitativa e baseada em decretos mais antigos.
Durante esta época, a exposição ao calor dava direito à atividade especial se cumprisse uma de duas condições alternativas (aplicando-se a mais favorável):
1. Acima de 28°C: Se a temperatura no ambiente de trabalho estivesse acima de 28°C (vinte e oito graus Celsius). Isso estava previsto no quadro Anexo ao Decreto nº 53.831, de 1964.
2. Atividades Específicas: Se o trabalho estivesse listado nas atividades previstas no Anexo II do Decreto nº 83.080, de 1979 (como operações em fornos, fundições, etc.).
O ponto mais importante deste período é: não era exigida a medição em Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo (IBUTG). Uma medição simples da temperatura (termômetro de bulbo seco) acima de 28°C era suficiente para o enquadramento.
Um erro comum é o INSS exigir laudos com medição IBUTG para esse período. Isso é ilegal. A regra da época era clara e mais benéfica ao segurado, exigindo apenas a constatação de temperatura superior a 28°C.
Critério 2: Período de 06/03/1997 a 18/11/2003
A partir de 6 de março de 1997, com a publicação do Decreto nº 2.172, a regra mudou drasticamente. O enquadramento deixou de ser por temperatura simples (28°C) ou por atividade.
Neste período, a exposição a temperaturas anormais (calor) só caracterizava atividade especial se estivesse em conformidade com o Anexo 3 da NR-15 do MTE.
Isso significa que, para todo trabalho realizado entre 1997 e 2003, o laudo técnico (LTCAT) da empresa precisava:
1. Medir em IBUTG: O Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo passou a ser obrigatório.
2. Analisar a Taxa de Metabolismo: O laudo precisava classificar a atividade do trabalhador (leve, moderada, pesada) para definir a “taxa de metabolismo”.
3. Respeitar os Limites de Tolerância: O IBUTG medido não podia ultrapassar os limites dos Quadros 1, 2 e 3 do Anexo 3 da NR-15, que levam em conta o tipo de atividade e os períodos de descanso.
Na prática, a comprovação ficou muito mais técnica. O simples “calor” não bastava; era preciso provar que o calor, medido pela metodologia IBUTG, ultrapassava o limite legal para aquele tipo específico de esforço físico.
O IBUTG é um índice complexo, não é uma temperatura simples. Ele é calculado usando três termômetros diferentes: o de bulbo úmido natural (tbn), o de globo (tg) e o de bulbo seco (tbs).
Ambientes internos/externos sem carga solar: IBUTG = 0,7 x tbn + 0,3 x tg
Ambientes externos com carga solar: IBUTG = 0,7 x tbn + 0,1 x tbs + 0,2 x tg
Se o seu PPP deste período não menciona o IBUTG, ou apenas cita “calor” ou “temperatura de 30°C”, o INSS provavelmente negará o período. É essencial que o laudo técnico da época (LTCAT) contenha essa medição específica.
Critério 3: Período de 19/11/2003 a 10/12/2019
Em 19 de novembro de 2003, o Decreto nº 4.882 alterou novamente as regras, trazendo uma nova metodologia de avaliação para o cenário.
A partir de 1º de janeiro de 2004 (sendo facultado às empresas usar desde 19/11/2003), a avaliação das temperaturas anormais (calor) passou a exigir uma nova norma.
Para o enquadramento, era preciso que:
1. Limites da NR-15: Os limites de tolerância ultrapassados ainda eram os do Anexo 3 da NR-15 (em sua redação antiga, anterior a 2019).
2. Metodologia da NHO-06: A metodologia de avaliação (como medir, onde medir, como calcular) deveria seguir os procedimentos da NHO-06 da Fundacentro.
A NHO-06 (Norma de Higiene Ocupacional nº 06 – “Avaliação da Exposição Ocupacional ao Calor”) é um procedimento técnico muito mais detalhado e rigoroso do que a própria NR-15 previa. Ela estabelece critérios claros sobre a medição do IBUTG, a estimativa da taxa de metabolismo e a aclimatização do trabalhador.
Na prática, de 2004 a 2019, o INSS passou a exigir laudos que explicitamente mencionassem o uso da metodologia NHO-06 da Fundacentro. A empresa tinha a opção (faculdade) de usar essa norma mais rigorosa desde 19/11/2003.
Um erro comum neste período é a empresa apresentar um LTCAT que mede o IBUTG, mas não segue os procedimentos da NHO-06 (por exemplo, no cálculo da taxa de metabolismo). O INSS pode glosar o período por vício metodológico. A exposição a temperaturas anormais precisava ser validada por esta norma técnica específica.
Critério 4: Período a partir de 11/12/2019 (Regra Atual)
A regra atual, válida para todo o trabalho realizado a partir de 11 de dezembro de 2019, é resultado da publicação da Portaria SEPT/ME nº 1.359.
Esta portaria alterou o Anexo 3 da NR-15, modernizando os limites de tolerância e a metodologia.
Hoje, para que as temperaturas anormais (calor) gerem direito à atividade especial, é preciso que a exposição ocorra em ambientes fechados ou com fonte artificial de calor e que cumulativamente:
1. Novos Limites da NR-15: Sejam ultrapassados os limites de tolerância definidos no novo Anexo 3 da NR-15 (com a redação dada pela Portaria 1.359/2019).
2. Metodologia NHO-06 Obrigatória: A avaliação deve, obrigatoriamente, seguir as metodologias e procedimentos da NHO-06 da Fundacentro.
A grande mudança é que o uso da NHO-06, que antes era uma “metodologia” preferencial, agora está “amarrada” dentro da própria NR-15 e é a única forma aceita pelo INSS para comprovar a exposição ao calor.
Portanto, para trabalhos atuais, o LTCAT e o PPP devem ser inequívocos: a medição foi feita conforme a NHO-06 e os resultados ultrapassaram os limites do novo Anexo 3 da NR-15.
Critério 5: O Fator “Fonte Artificial de Calor”
Um detalhe crucial que permeia as regras mais recentes é a distinção entre fontes de calor.
A redação atual do Art. 293, alterada em 2022, é explícita ao limitar o enquadramento à “exposição ocupacional ao calor em ambientes fechados ou ambientes com fonte artificial de calor”.
Isso cria uma dificuldade significativa para trabalhadores expostos a temperaturas anormais de fonte natural, ou seja, o sol. É o caso de cortadores de cana, trabalhadores da construção civil a céu aberto, carteiros, entre outros.
Na prática, o INSS costuma negar o enquadramento para atividades a céu aberto, argumentando que a fonte (solar) não é “artificial” e, portanto, não se enquadra na norma.
Essa é uma das maiores batalhas judiciais sobre o tema. Muitos juízes entendem que a lei não pode fazer essa distinção, pois o dano fisiológico do calor (estresse térmico) é o mesmo, não importa a fonte. Contudo, na via administrativa (direto no INSS), a regra é clara e restritiva: deve haver fonte artificial.
A Importância do Período de Descanso (Art. 253 CLT)
Um ponto fundamental, muitas vezes esquecido, é que os períodos de descanso obrigatórios pela exposição ao calor contam como tempo de trabalho.
O parágrafo único do Art. 293 da IN, baseado no Anexo 3 da NR-15 e no Art. 253 da CLT, estabelece que os períodos de descanso (seja no próprio local ou em ambiente mais ameno) são considerados tempo de serviço para todos os efeitos legais.
Isso é vital. A NR-15 estabelece limites de tolerância baseados em ciclos de trabalho/descanso (por exemplo, “45 minutos trabalha, 15 descansa”). Esses 15 minutos de descanso não podem ser descontados da jornada ou do cálculo do tempo especial.
Se a empresa exige que o funcionário “recupere” esse tempo no fim do dia, ela está descumprindo a lei. A exposição a temperaturas anormais que exige pausas para recuperação térmica garante que essas pausas sejam computadas como tempo trabalhado.
Como Comprovar a Exposição: LTCAT e PPP
Você não comprova as temperaturas anormais com fotos ou testemunhas. A prova é exclusivamente técnica e documental.
- LTCAT (Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho): Este é o documento “mãe”. É o laudo completo, assinado por Engenheiro de Segurança do Trabalho ou Médico do Trabalho, que contém todas as medições de calor (com o equipamento correto, seja termômetro, seja medidor de IBUTG), a metodologia usada (NHO-06, etc.) e a análise técnica.
- PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário): Este é o seu “currículo” previdenciário. O PPP deve ser preenchido pela empresa com base no LTCAT. É no PPP que constará o código GFIP, o agente nocivo (“Calor – Temperaturas Anormais”), a intensidade (o valor do IBUTG medido) e a técnica utilizada.
Um erro comum é o PPP estar incompleto ou em desacordo com o LTCAT. Se o PPP diz “29°C” em 2010, mas o LTCAT não mostra a medição por IBUTG e NHO-06, o INSS irá negar.
É seu direito exigir que a empresa forneça o PPP correto e o LTCAT que o embase. Esses são os documentos que você usará para provar seu direito no portal Meu INSS. Para saber mais, veja nosso guia sobre aposentadoria especial e outros agentes nocivos: ruído e agentes químicos.
Perguntas Frequentes (FAQ) sobre Temperaturas Anormais
Abaixo, respondemos as perguntas mais frequentes sobre temperaturas anormais:
O que é IBUTG?
IBUTG significa “Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo”. Não é uma medida de temperatura simples (como °C), mas um índice que combina a temperatura do ar, a umidade, a velocidade do ar e o calor radiante para avaliar o estresse térmico em um ambiente. É a medida padrão-ouro para o calor ocupacional desde 1997.
Apenas o calor de fonte artificial conta?
Para o INSS, na via administrativa, sim. As regras atuais especificam “ambientes fechados ou ambientes com fonte artificial de calor”. A exposição ao calor natural (solar) geralmente é negada pelo INSS e precisa ser discutida na Justiça.
O que mudou em 2019 para a medição de calor?
Em 11 de dezembro de 2019, o Anexo 3 da NR-15 foi atualizado. Isso mudou os limites de tolerância ao calor e tornou obrigatório o uso da metodologia NHO-06 da Fundacentro para todas as avaliações.
O que é a NHO-06 da Fundacentro?
É a Norma de Higiene Ocupacional nº 06, que estabelece o procedimento técnico padrão para a avaliação da exposição ocupacional ao calor. Ela detalha como, onde e por quanto tempo as medições de IBUTG devem ser feitas, e como calcular a taxa de metabolismo do trabalhador. Ela é obrigatória desde 2019 e era a metodologia de referência desde 2004.
Como comprovar meu tempo de trabalho em temperaturas anormais?
Através do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e do Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT). Esses documentos devem conter as medições técnicas (IBUTG), a metodologia (NHO-06) e a intensidade da exposição, conforme a legislação da época.
O período de descanso para “esfriar” conta como tempo de trabalho?
Sim. Os períodos de descanso obrigatórios, previstos nos limites de tolerância da NR-15 para quem trabalha no calor, são considerados tempo de serviço para todos os efeitos legais.
28°C ainda é o limite para temperaturas anormais?
Não. A regra de 28°C (vinte e oito graus Celsius) só foi válida até 5 de março de 1997. Após essa data, o enquadramento depende da superação dos limites de IBUTG estabelecidos no Anexo 3 da NR-15.
Conclusão: Defendendo Seus Direitos na Aposentadoria Especial
A comprovação da exposição a temperaturas anormais é uma das tarefas mais técnicas no direito previdenciário. O fator decisivo é sempre a legislação vigente na data do trabalho.
Como vimos, a regra mudou de 28°C (até 1997), para a medição IBUTG (pós-1997), para a metodologia NHO-06 (pós-2003), e finalmente para a combinação obrigatória da nova NR-15 com a NHO-06 (pós-2019).
Na prática, o sucesso do seu pedido de aposentadoria especial depende da qualidade dos documentos técnicos (LTCAT e PPP) fornecidos pela empresa. Eles devem refletir com precisão a metodologia e os limites da época correta.
Não basta “sentir calor”; é preciso provar tecnicamente que as temperaturas anormais ultrapassaram os limites legais. Se o seu PPP está incompleto ou o INSS negou seu período, é crucial buscar os laudos técnicos originais e, se necessário, o auxílio de um profissional especializado.
