Qualidade de segurada comprovada por aposentadoria para pensão por morte

Acórdão anterior é rescindido por violação legal ao desconsiderar aposentadoria por idade como prova de segurada para fins de pensão por morte, exigindo nova instrução probatória para união estável. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região acolhe embargos de declaração para rescindir acórdão que negou pensão por morte. A decisão original violou o art. 15, I, da Lei 8.213/91, ao desconsiderar que a falecida já estava aposentada por idade, o que lhe conferia a qualidade de segurada. O processo retorna à origem para comprovação da união estável.

Trata-se de controvérsia jurídica estabelecida no bojo da Ação Rescisória n° 1017590-75.2018.4.01.0000, ajuizada por um segurado em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O objeto da ação era a desconstituição de um acórdão proferido por este mesmo Tribunal no processo n. 0018242-36.2013.4.01.9199, que havia mantido a sentença de improcedência do pedido de concessão de pensão por morte de trabalhadora rural.

A demanda original foi extinta sem resolução de mérito, tanto em primeira quanto em segunda instância, sob o argumento de que o autor não logrou comprovar a qualidade de segurada especial da falecida instituidora do benefício. As decisões judiciais rescindendas fundamentaram-se na ausência de início de prova material que atestasse a condição de lavradora da de cujus, considerando a prova documental insuficiente para tal fim.

O autor, inconformado com o trânsito em julgado da decisão desfavorável, ingressou com a ação rescisória, fundamentando seu pleito nos incisos V (violação manifesta de norma jurídica) e VIII (erro de fato) do artigo 966 do Código de Processo Civil. A tese central da parte autora era a de que as decisões anteriores incorreram em grave equívoco ao desconsiderar um fato crucial e documentalmente comprovado: à época de seu falecimento, ocorrido em 23 de outubro de 2011, a instituidora do benefício já se encontrava aposentada por idade, conforme constava no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Segundo o autor, essa condição, por si só, garantiria a qualidade de segurada, tornando desnecessária a comprovação do exercício de atividade rural.

Adicionalmente, o autor argumentou que a questão a ser dirimida no processo originário deveria ter se concentrado na comprovação da união estável entre ele e a falecida, e não na qualidade de segurada desta. Ele apresentou documentos como a certidão de óbito, que mencionava a reconciliação do casal após uma separação judicial, e certidões de nascimento dos filhos em comum como indícios da vida marital.

Inicialmente, a ação rescisória foi julgada improcedente pela Primeira Seção. Contudo, o autor opôs embargos de declaração, alegando que o acórdão embargado fora omisso por não ter analisado o argumento principal de sua petição, qual seja, o erro de fato e a violação legal decorrentes da desconsideração da condição de aposentada da falecida. O julgamento desses embargos levou à revisão completa do caso, com a reversão da decisão anterior.

Fundamentos

A decisão final da Primeira Seção do Tribunal, ao acolher os embargos de declaração com efeitos infringentes, baseou-se em fundamentos jurídicos sólidos e interligados, que redefiniram o rumo da controvérsia.

O Relator, Juiz Federal Eduardo de Melo Gama, iniciou seu voto reconhecendo a omissão no acórdão embargado. O julgado anterior não havia enfrentado a tese central do autor, que consistia no fato de a falecida já ser aposentada e, portanto, manter sua qualidade de segurada. A omissão é um vício processual previsto no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, que estabelece que os embargos de declaração são o recurso cabível para “suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento”. Ao sanar a omissão, o Tribunal reanalisou o mérito da ação rescisória, conferindo efeitos infringentes (modificativos) aos embargos.

O ponto fulcral da decisão foi o reconhecimento de que o acórdão rescindendo incorreu em “manifesta violação da norma jurídica”. A norma violada foi o artigo 15, inciso I, da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), que dispõe que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições e sem limite de prazo, “quem está em gozo de benefício”.

O extrato do CNIS acostado aos autos era prova inequívoca de que a de cujus, ao falecer em outubro de 2011, era titular de uma “aposentadoria por idade”. Portanto, sua qualidade de segurada era mantida por força de lei, tornando irrelevante a discussão sobre a comprovação de sua atividade como trabalhadora rural. Ao negar o benefício com base na ausência de provas do labor rural, o acórdão rescindendo ignorou a aplicação direta e literal da lei, o que configurou o vício previsto no artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil, autorizando a rescisão do julgado.

Rescindido o acórdão e reconhecida a qualidade de segurada da falecida, o Tribunal passou ao iudicium rescissorium (novo julgamento da causa). A controvérsia remanescente passou a ser a comprovação da condição de dependente do autor, que se daria pelo reconhecimento da união estável.

O Tribunal ponderou que a certidão de óbito, embora mencionasse a reconciliação, era uma declaração unilateral e insuficiente para, isoladamente, comprovar a união estável. Reconheceu-se que a sentença original, ao proceder ao julgamento antecipado do mérito com base em uma premissa equivocada (a falta de qualidade de segurada), impediu que o autor produzisse outras provas, como a testemunhal, que seriam cruciais para a demonstração da convivência marital. Esse julgamento antecipado representou um cerceamento de defesa. Portanto, para o correto deslinde da causa, tornou-se indispensável a anulação da sentença e a reabertura da fase de instrução, permitindo a dilação probatória para a comprovação da união estável.

Decisão

Com base nos fundamentos detalhados, a Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, proferiu a seguinte decisão acolheu os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para reformar a decisão anterior que havia julgado a ação rescisória improcedente; e julgou procedente a ação rescisória, desconstituindo o acórdão proferido na Apelação Cível n. 0018242-36.2013.4.01.9199, com fundamento no artigo 966, V, do Código de Processo Civil.

Em novo julgamento, deu provimento à apelação para anular a sentença proferida no processo originário. Determinou o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau a fim de que fosse reaberta a instrução processual, viabilizando a produção de provas, especialmente a oral, para a comprovação da união estável e da condição de dependente do autor. Após a dilação probatória, uma nova sentença deverá ser prolatada. Condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios na ação rescisória, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, ressaltando sua isenção quanto às custas processuais.

Referências

EDAR 1017590-75.2018.4.01.0000 – PJe, rel. juiz federal Eduardo de Melo Gama (convocado), em 25/07/2023.