ARE 1.532.603-PR

DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PEJOTIZAÇÃO. CONTRATAÇÃO CIVIL/COMERCIAL PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LICITUDE. ALEGADA EXISTÊNCIA DE FRAUDE NA CONTRATAÇÃO VISANDO RECONHECIMENTO DE VÍNCULO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA. ÔNUS DA PROVA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. I. CASO DOS AUTOS 1. Recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que, considerando o entendimento firmado na ADPF 324, afastou o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, em virtude da existência de contrato de prestação de serviços (contrato de franquia) firmado entre elas. 2. Nas razões recursais, alega-se, em síntese, que está caracterizado o abuso do direito de terceirizar e de “pejotizar”, pois estão presentes todos os requisitos da relação de emprego. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 3. Serão analisadas, por ocasião do julgamento de mérito do presente paradigma, as seguintes questões: (i) competência da Justiça do Trabalho para julgar causas em que se discute fraude em contrato civil de prestação de serviços; (ii) licitude da contratação civil/comercial de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica, à luz da ADPF 324; e (iii) ônus da prova em alegação de fraude na contratação civil. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. Questão preliminar de ordem pública que deve ser analisada pelo Plenário referente à competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute fraude em contrato civil de prestação de serviços. Existência de precedentes desta Corte que têm reconhecido a competência da Justiça comum para analisar a regularidade de contratos civis/comerciais de prestação de serviços, afastando inicialmente a natureza trabalhista da controvérsia (ADC 48 e Tema 550 da repercussão geral). 5. No mérito, discute-se a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos. 6. Será abordada também a questão referente ao ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil, averiguando se essa responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante. 7. Diariamente, chegam ao STF inúmeros casos dessa natureza, especialmente por meio de reclamações constitucionais, devido ao fato de que a Justiça do Trabalho tem, reiteradamente, se recusado a aplicar as orientações desta Suprema Corte sobre o tema. 8. A controvérsia constitucional não se restringe ao caso concreto descrito no recurso e possui evidente relevância jurídica, social e econômica. A solução, a ser dada por meio de decisão definitiva e com efeito vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, contribuirá para a pacificação da questão em todo o país. 9. A discussão não está limitada apenas ao contrato de franquia. É fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial. Isso inclui, por exemplo, contratos com representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais da área de TI, motoboys, entregadores, entre outros. IV. DISPOSITIVO 10. Manifestação pela existência de matéria constitucional e de repercussão geral das controvérsias referentes: i) à competência da Justiça do Trabalho para julgamento das causas em que se discute a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; ii) à licitude da contratação civil/comercial de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos; e iii) ao ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil, averiguando se essa responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante. (ARE 1532603 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 11-04-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-130 DIVULG 23-04-2025 PUBLIC 24-04-2025)

Pejotização e a Repercussão Geral

  • Definição: Contratação de força de trabalho por meio de pessoa jurídica (PJ) com o objetivo de mascarar uma relação de emprego, suprimindo direitos trabalhistas.
  • Núcleo da Controvérsia Constitucional: Tensão entre a liberdade de iniciativa e organização produtiva (CF, arts. 1º, IV, e 170) e a proteção social do trabalho e da relação de emprego (CF, arts. 1º, IV, e 7º).
  • Questões Jurídicas Centrais (delimitadas no ARE 1.532.603 RG)
    • Competência para Julgamento da Fraude Contratual
      • Justiça do Trabalho: Competência tradicional para julgar a existência da relação de emprego, mesmo quando mascarada por outras formas contratuais (CF, art. 114, I).
        • Fundamento: Princípio da Primazia da Realidade sobre a Forma, segundo o qual a natureza da relação jurídica se define pelos fatos, e não pelo que está formalmente pactuado.
        • Argumento: A alegação de fraude é o próprio mérito da causa trabalhista, atraindo a competência especializada.
      • Justiça Comum: Competência para analisar a validade de negócios jurídicos de natureza civil ou comercial.
        • Fundamento: A relação, a priori, é regida pelo Direito Civil/Empresarial. A análise de seus vícios (como a fraude) seria prejudicial à análise do vínculo empregatício.
        • Precedentes do STF que sinalizam nesta direção:
          • ADC 48: Declara a constitucionalidade da Lei nº 11.442/2007, que regula o Transportador Autônomo de Cargas (TAC), afastando a competência da Justiça do Trabalho para discussões sobre a natureza da relação.
          • Tema 550 da Repercussão Geral (RE 603.397): Fixa a competência da Justiça Comum para julgar causas que envolvam contratos de representação comercial autônoma.
    • Licitude da Contratação Civil/Comercial de Prestadores de Serviço
      • Tese da Licitude (Posição do STF): A Constituição Federal permite formas de organização do trabalho diversas da relação de emprego.
        • Fundamento Principal: Liberdade de organização produtiva e de contratação (CF, art. 170).
        • Leading Cases do STF:
          • ADPF 324 e RE 958.252 (Tema 725): Tese de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas”.
        • Consequência: A “pejotização”, como modelo contratual, não é, em si, ilícita. A ilicitude reside na fraude e na coação, que viciam o negócio jurídico.
      • Tese da Ilicitude (Posição Tradicional da Justiça do Trabalho): A contratação via PJ, quando presentes os elementos da relação de emprego, configura fraude à legislação trabalhista.
        • Fundamento: Nulidade de atos que visem desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da CLT (CLT, art. 9º).
        • Elementos Fático-Jurídicos da Relação de Emprego (CLT, art. 3º):
          • Pessoalidade: Prestação do serviço por pessoa física de forma infungível.
          • Não eventualidade: Trabalho prestado de forma contínua, com expectativa de permanência.
          • Onerosidade: Contraprestação salarial pelo serviço executado.
          • Subordinação Jurídica: Elemento central que se manifesta pelo poder diretivo do empregador de comandar, controlar e fiscalizar a prestação de serviços.
    • Ônus da Prova na Alegação de Fraude
      • Regra Geral Processual: O ônus da prova incumbe a quem alega o fato constitutivo de seu direito (CPC, art. 373, I).
        • Aplicação: Ao trabalhador (reclamante) caberia o ônus de provar a existência dos elementos da relação de emprego (pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e, principalmente, a subordinação), descaracterizando o contrato civil.
      • Teoria da Aptidão para a Prova: O ônus pode ser distribuído de forma dinâmica, recaindo sobre a parte que possui melhores condições de produzir a prova.
        • Aplicação: A empresa contratante (reclamada) detém os documentos e meios (e-mails, ordens de serviço, registros de ponto) que podem comprovar ou afastar a subordinação.
      • Controvérsia a ser dirimida pelo STF: Definir se, em casos de “pejotização”, deve-se aplicar a regra geral do ônus da prova (CPC, art. 373, I) ou se a presunção de validade do contrato civil impõe ao trabalhador um ônus probatório mais robusto, sem possibilidade de inversão.