- Conceito e Natureza Jurídica
- Definição Legal: Exercício de um direito subjetivo que excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, configurando-se como ato ilícito (CC, art. 187).
- Natureza Jurídica: Categoria jurídica autônoma, qualificada como ato ilícito objetivo.
- Diferença do Ato Ilícito Comum (CC, art. 186): O abuso de direito não pressupõe a violação de um dever legal direto, mas o desvio da finalidade de um direito subjetivo. A ilicitude é funcional, não formal.
- Independência de Dano para Controle: O exercício abusivo de posições jurídicas pode ser controlado independentemente da ocorrência de dano, visando a inibição ou cessação do ato (Enunciado 539 do CJF).
- Teorias Explicativas
- Teoria Subjetiva: Exige a intenção de prejudicar (dolo) ou, ao menos, culpa por parte do titular do direito.
- Teoria Objetiva: Prevalece no direito brasileiro. Foco no resultado do exercício do direito, independentemente da culpa ou dolo do agente. A análise é centrada no desvio da finalidade (critério funcional-teleológico).
- Elementos Caracterizadores (Critérios do Art. 187 do Código Civil)
- Requisito Objetivo Geral: Exercício de um direito que excede manifestamente os limites impostos.
- Critérios Normativos de Aferição
- Fim Social: O direito deve ser exercido em consonância com sua função na coletividade, atendendo aos valores constitucionais como a solidariedade social (CF, art. 3º, I).
- Fim Econômico: O exercício do direito não pode se desviar de sua finalidade econômica intrínseca, visando fins ilegítimos ou desproporcionais.
- Boa-Fé Objetiva: Violação de um padrão de conduta ético e leal esperado nas relações jurídicas. Constitui o principal critério de controle.
- Bons Costumes: Desrespeito a um conjunto de regras de comportamento socialmente aceitas e tidas como corretas em uma determinada época e lugar.
- Modalidades de Exercício Abusivo (Manifestações da Violação da Boa-Fé Objetiva)
- Venire Contra Factum Proprium: Proibição do comportamento contraditório. Veda que uma parte, após criar uma expectativa legítima em outra por meio de sua conduta, adote um comportamento posterior que frustre essa confiança.
- Supressio: Perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício durante um período de tempo, de modo a gerar na parte contrária a crença de que não mais seria exercido.
- Surrectio: O surgimento de um direito (ou de uma posição jurídica) em favor da parte que confiou na conduta da outra, que não exerceu seu direito (a supressio é a outra face da surrectio).
- Tu Quoque: Veda que alguém que violou uma norma jurídica busque, posteriormente, extrair proveito dessa mesma norma para sancionar o comportamento alheio. Aquele que deu causa a uma situação de ilicitude não pode invocar a norma para benefício próprio.
- Duty to Mitigate the Loss (Dever de Mitigar o Próprio Dano): O credor tem o dever, com base na lealdade, de adotar as medidas razoáveis para não agravar o prejuízo decorrente do inadimplemento do devedor (Enunciado 169 do CJF).
- Efeitos e Consequências Jurídicas
- Responsabilidade Civil: Equiparação ao ato ilícito para fins de reparação de danos, obrigando o agente a indenizar os prejuízos causados, sejam materiais ou morais (CC, art. 927).
- Ineficácia do Ato: O ato praticado com abuso de direito pode ser declarado ineficaz, impedindo a produção de seus efeitos na medida necessária para coibir a abusividade (Enunciado 617 do CJF).
- Nulidade do Ato: Em casos mais graves, especialmente em relações de consumo, o ato abusivo pode ser considerado nulo de pleno direito (CDC, art. 51, IV).
- Tutela Inibitória: Possibilidade de obter uma ordem judicial para impedir a prática, a continuação ou a repetição do ato abusivo, independentemente da existência de dano.
- Exceção Substancial: O abuso de direito pode ser arguido como matéria de defesa (exceção) para paralisar a pretensão da parte que exerce seu direito de forma abusiva.
- Âmbitos de Aplicação
- Direito Contratual: Nulidade de cláusulas abusivas, revisão de contratos por onerosidade excessiva, exceção do contrato não cumprido.
- Direito Processual: Litigância de má-fé (CPC, art. 80), abuso do direito de recorrer, prática de atos meramente protelatórios.
- Direito de Propriedade: Uso anormal da propriedade que prejudica a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (CC, art. 1.277).
- Direito do Consumidor: Vedação a práticas e cláusulas abusivas (CDC, arts. 39 e 51).
- Direito de Família: Abuso do poder familiar ou do direito de convivência.
- Direito Empresarial: Abuso de poder do acionista controlador (LSA, art. 117), abuso da personalidade jurídica.