Suspensão de Liminar

Suspensão de Liminar

A Suspensão de Liminar (ou de Tutela Provisória, ou de Segurança, ou de Sentença) é um incidente processual de natureza excepcional e um meio de contracautela, por meio do qual a pessoa jurídica de direito público ou o Ministério Público requerem ao Presidente do Tribunal competente a sustação da eficácia de uma decisão judicial provisória (liminar ou tutela de urgência) ou, em alguns casos, de sentenças não transitadas em julgado, proferidas contra o Poder Público.

Seu objetivo não é a reforma ou a anulação da decisão, mas sim paralisar seus efeitos para prevenir a ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Trata-se de um juízo eminentemente político-administrativo, que não adentra o mérito da controvérsia jurídica principal, focando-se exclusivamente no impacto da decisão sobre o interesse público.


  • Conceito: Incidente processual de natureza excepcional e de caráter político-administrativo, que visa sustar a eficácia de decisão judicial (liminar, tutela provisória ou sentença) proferida contra o Poder Público, quando esta for capaz de provocar grave lesão a um dos bens jurídicos tutelados.
  • Natureza Jurídica
    • Posição Majoritária: Incidente processual de contracautela, não possuindo natureza recursal.
      • Fundamento: Não visa à reforma ou invalidação da decisão, mas apenas à paralisação de seus efeitos por razões de interesse público. Não há análise do mérito da causa principal (juízo de delibação mínimo).
    • Posição Minoritária: Medida Cautelar Inominada ou Ação Cautelar Incidental.
  • Fundamentação Legal
    • Norma Geral: Lei nº 8.437/1992 (Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público).
    • Mandado de Segurança: Lei nº 12.016/2009 (art. 15).
    • Tutelas Provisórias em Geral: Lei nº 9.494/1997 (art. 4º, que remete à Lei nº 8.437/92).
    • Ação Civil Pública e Ação Popular: Lei nº 8.437/1992 (art. 4º) e Lei nº 7.347/1985 (art. 12, §1º).
    • Habeas Data: Lei nº 9.507/1997 (art. 16).
    • Regimento Interno do STF (arts. 297 a 299) e do STJ.
  • Requisitos para o Deferimento
    • Requisito Objetivo: Existência de uma decisão judicial provisória ou sentença proferida contra o Poder Público.
    • Requisito Subjetivo (Legitimidade Ativa)
      • Pessoa Jurídica de Direito Público interessada. (Lei nº 8.437/92, art. 4º; Lei nº 12.016/09, art. 15).
      • Ministério Público: Atuando como parte ou fiscal da ordem jurídica. (Lei nº 8.437/92, art. 4º; Lei nº 12.016/09, art. 15).
      • Pessoas Jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviço público: Desde que na defesa do interesse público primário. (Jurisprudência do STJ).
      • Defensoria Pública: Quando o interesse público defendido se relaciona com suas competências constitucionais. (Jurisprudência do STF).
    • Requisito Teleológico (Finalidade)
      • Manifesto Interesse Público: Conceito jurídico indeterminado que embasa a medida.
      • Grave Lesão (Periculum in Mora Inverso): A manutenção da decisão deve representar um risco de dano grave e iminente a um dos seguintes bens:
        • Ordem Pública: Em seus aspectos jurídico, administrativo e social.
        • Saúde Pública: Risco de colapso ou grave prejuízo ao sistema de saúde.
        • Segurança Pública: Ameaça à ordem e à incolumidade de pessoas e bens.
        • Economia Pública: Perigo de dano significativo às finanças públicas.
  • Competência
    • Regra Geral: Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso. (Lei nº 8.437/92, art. 4º).
      • Decisão de Juiz de Primeiro Grau: O pedido é direcionado ao Presidente do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal respectivo.
      • Decisão de Tribunal (TJ/TRF) em competência originária ou recursal: O pedido é direcionado ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça (se a matéria for infraconstitucional) ou do Supremo Tribunal Federal (se a matéria for constitucional).
    • “Suspensão Per Saltum”: Indeferido o pedido de suspensão no tribunal local ou negado provimento ao agravo de instrumento contra a liminar, cabe novo pedido de suspensão ao Presidente do tribunal superior competente para o recurso especial ou extraordinário (Lei nº 12.016/09, art. 15, §1º e §2º).
  • Procedimento
    • Petição: Requerimento formalizado em petição simples e autônoma, dirigida ao Presidente do Tribunal competente.
    • Instrução: Deve ser instruído com a prova da decisão a ser suspensa e a demonstração inequívoca da grave lesão. Não comporta dilação probatória.
    • Contraditório: A lei prevê a possibilidade de o Presidente ouvir o autor e o Ministério Público em 72 horas, mas a decisão pode ser concedida liminarmente, inaudita altera parte. (Lei nº 8.437/92, art. 4º, §2º).
    • Decisão: Monocrática do Presidente do Tribunal, devidamente fundamentada.
      • Análise Restrita: O Presidente não reexamina o mérito da causa principal, limitando-se a um juízo político-administrativo sobre a ocorrência de grave lesão.
      • Efeito Extensivo: O Presidente pode estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes com objeto idêntico, mediante simples aditamento. (Lei nº 12.016/09, art. 15, §5º).
  • Recursos e Impugnações
    • Da Decisão que Concede a Suspensão: Cabe Agravo Interno (ou Regimental) para o órgão colegiado do respectivo tribunal. (Lei nº 8.437/92, art. 4º, §3º).
      • Prazo: O prazo do agravo varia conforme a legislação específica e o regimento interno, tendo o STJ unificado o entendimento em 15 dias para os casos de sua competência.
    • Da Decisão que Indefere a Suspensão: Em regra, não há previsão de recurso, mas a jurisprudência admite o pedido de reconsideração ou o ajuizamento de novo pedido de suspensão à instância superior, conforme o caso (Suspensão Per Saltum).
    • Ação Rescisória: Não é cabível contra a decisão que julga o pedido de suspensão, por não constituir decisão de mérito transitada em julgado. (Jurisprudência do STJ).
  • Efeitos da Decisão de Suspensão
    • Eficácia Imediata: A decisão suspende a execução da decisão impugnada.
    • Vigência: A suspensão vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal, salvo determinação em contrário na própria decisão que a concede. (Súmula 626, STF).
      • Superveniência de Sentença: A prolação de sentença de mérito que confirma a liminar suspensa não cessa, por si só, os efeitos da suspensão.
    • Não Prejudicialidade: A interposição de agravo de instrumento contra a decisão de origem não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão. (Lei nº 12.016/09, art. 15, §3º).

Fundamentos

O instituto é regido por um microssistema legal, com destaque para as seguintes normas hierarquizadas:

  • Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015):
    • Art. 1.059: Remete a disciplina da tutela provisória contra a Fazenda Pública às leis específicas.
  • Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009):
    • Art. 15: Disciplina a “Suspensão de Segurança”, autorizando o Presidente do Tribunal ao qual couber o recurso a suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença em mandado de segurança para evitar grave lesão aos bens jurídicos tutelados.
  • Lei de Medidas Cautelares contra o Poder Público (Lei nº 8.437/1992):
    • Art. 4º: Estabelece a competência do Presidente do Tribunal para suspender a execução de liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, mediante requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, com base no risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Jurisprudência

  • Impossibilidade de Análise de Mérito: A jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veda o uso do pedido de suspensão como sucedâneo recursal. A análise restringe-se à demonstração de grave lesão aos bens tutelados, não cabendo discutir a legalidade ou constitucionalidade da decisão (“lesão à ordem jurídica”). (Vide STJ, AgRg na SLS 2.867/MA).
  • Legitimidade de Pessoas Jurídicas de Direito Privado: O STJ admite, excepcionalmente, a legitimidade de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público para requerer a suspensão, desde que o façam na defesa do interesse público primário, relacionado à delegação, e não de interesses meramente privados ou comerciais. (Vide STJ, SLS 3.169/RS).
  • Vigência da Decisão: A decisão que defere o pedido de suspensão tem seus efeitos prolongados até o trânsito em julgado da ação principal, salvo se houver decisão expressa em contrário.

Entendimentos

  • Natureza Jurídica: Há divergência doutrinária. Para Cândido Rangel Dinamarco, trata-se de uma medida cautelar inominada, incidental e preparatória de uma defesa futura. Para juristas como Cassio Scarpinella Bueno, a suspensão é um incidente processual de contracautela, não se confundindo com um recurso nem com uma ação autônoma, configurando um “remédio anômalo”. Hely Lopes Meirelles a considerava uma medida de caráter excepcional para a proteção da Administração Pública.
  • Requisitos: A doutrina é uníssona ao apontar dois requisitos essenciais:
    1. Subjetivo: Legitimidade da pessoa jurídica de direito público ou do Ministério Público (e, excepcionalmente, de delegatários de serviço público).
    2. Objetivo: A demonstração inequívoca de que a execução da decisão judicial proferida contra o Poder Público causa grave lesão a um dos seguintes bens: ordem, saúde, segurança ou economia públicas. A lesão não pode ser presumida.
  • Juízo de Delibação: O juízo exercido pelo Presidente do Tribunal é de delibação, ou seja, superficial e político, não se aprofundando na matéria de fundo da causa principal.

Correlato

  • Tutela Provisória de Urgência — é o ato judicial cuja eficácia pode ser paralisada pela Suspensão de Liminar.
  • Mandado de Segurança — é uma das ações típicas em que a Suspensão de Liminar (aqui chamada de Suspensão de Segurança) é frequentemente utilizada.
  • Controle de Constitucionalidade — a Suspensão de Liminar não se presta a exercer o, sendo vedada a análise de mérito.
  • Poder Público em Juízo — a Suspensão de Liminar é uma prerrogativa processual do.