Trata-se de um Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo de Greve. O dissídio foi ajuizado pelo Sindicato das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBUS) e pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Espírito Santo (SETPES) em face do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Espírito Santo (SINDIRODOVIÁRIOS).
A controvérsia central do caso diz respeito a uma paralisação de apenas cinco horas de duração, ocorrida em 13 de abril de 2021, motivada pela política pública de vacinação contra a COVID-19. A categoria dos motoristas, que não foi contemplada como prioridade na ordem de vacinação, deflagrou o movimento grevista em protesto. A greve teve início às 4 horas da manhã e foi encerrada às 9 horas do mesmo dia, com os veículos sendo liberados das garagens somente após esse horário.
O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, ao apreciar o dissídio coletivo de greve, declarou a abusividade do movimento paredista. Contudo, o Regional considerou indevida a multa de R$100.000,00 (cem mil reais) fixada na liminar, pois o movimento paredista foi suspenso antes mesmo da notificação da decisão liminar. Além disso, o TRT da 17ª Região não autorizou o desconto do dia parado.
Inconformado com a decisão regional que não autorizou o desconto do dia parado, o Sindicato patronal (GVBUS) interpôs recurso ordinário pleiteando unicamente o desconto salarial correspondente às horas de paralisação.
O acórdão recorrido pelo Regional fundamentou a não autorização do desconto salarial na impossibilidade de individualizar a responsabilidade dos empregados pela adesão ao movimento, bem como na ausência de comprovação de assembleia geral regular que demonstrasse a aprovação da greve pelos empregados. Adicionalmente, foi divulgado pela mídia local que “as interdições ocorreram por volta das 4h30. Por este motivo, alguns ônibus chegaram a sair das garagens antes deste horário”, indicando que não houve adesão de toda a categoria dos rodoviários.
O Ministério Público do Trabalho, em parecer, opinou pelo desprovimento do recurso ordinário.
Fundamentos
Os fundamentos jurídicos da decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 17ª Região baseiam-se na Lei de Greve (Lei nº 7.783/89), na Constituição Federal, na jurisprudência pacificada da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do TST e em doutrinas jurídicas.
Inicialmente, o acórdão regional caracterizou o movimento de 13/04/2021 como greve, mesmo tendo sido de curta duração, em conformidade com o artigo 2º da Lei nº 7.783/89. A greve é definida como a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador, com o objetivo de defender interesses trabalhistas. A irrelevância do período de duração para a caracterização da greve foi destacada, desde que haja o propósito de pressionar o empregador.
Apesar de reconhecer as razões da manifestação da categoria dos rodoviários, o Regional enfatizou o prejuízo sofrido pela população devido à paralisação total do transporte público em horário de pico, especialmente em um contexto de pandemia, o que corrobora a caracterização do movimento como grevista.
Quanto à legalidade da greve, o artigo 9º da Constituição Federal assegura o direito de greve, mas a lei estabelece limites e condições para seu exercício. A ilegalidade ou abusividade da greve ocorre quando os limites legais são ultrapassados. O artigo 14 da Lei nº 7.783/89 trata do abuso do direito de greve.
A decisão do TRT da 17ª Região concluiu que a greve em questão foi de natureza política, direcionada ao Governo do Estado do Espírito Santo, em contestação à política pública de vacinação que não priorizou a categoria dos motoristas. Esta conclusão foi corroborada por faixas de protesto (“OS RODOVIÁRIOS ESTÃO NA LINHA DE FRENTE E MERECEM RESPEITO! #VacinaJá”) e pelo próprio relato do Sindicato Suscitado em sua defesa, que admitiu que a greve também pode ser utilizada como instrumento de protesto para defesa de interesses trabalhistas-profissionais.
Uma greve política, segundo a Lei de Greve (Lei nº 7.783/89), não se enquadra nas suas normas, pois pressupõe a greve como instrumento de tutela de direito e de interesse trabalhista de natureza contratual, dependente de negociação coletiva. O artigo 3º da referida lei é claro ao autorizar o exercício do direito de greve somente em caso de frustração da negociação coletiva. A greve de natureza política inviabiliza a negociação prévia com o empregador, que não pode atender às pautas reivindicadas, tornando o movimento ilegal por não se enquadrar nos artigos 3º da Lei nº 7.783/89 e 114, § 2º da Constituição Federal, além de estar em desconformidade com a Orientação Jurisprudencial nº 11 da Seção de Dissídios Coletivos do TST.
A jurisprudência consolidada da SDC do TST é no sentido de que “greve de natureza política é abusiva, na medida em que o empregador, conquanto seja diretamente por ela afetado, não dispõe do poder de negociar e pacificar o conflito”. Assim, a abusividade foi declarada por ser o movimento paredista direcionado contra o Poder Público para uma reivindicação não suscetível de negociação coletiva, que se trata de medida de ordem sanitária atrelada à pandemia.
Adicionalmente, o Regional destacou o descumprimento de outros requisitos legais para a deflagração da greve, conforme parecer da Procuradora do Trabalho Janine Milbratz Fiorot. O Sindicato suscitado não impugnou as declarações dos sindicatos suscitantes quanto ao descumprimento dos requisitos, nem comprovou a adoção de prévia tentativa de negociação com a categoria econômica (art. 3º da Lei de Greve), a aprovação do movimento pela respectiva assembleia de trabalhadores (art. 4º), a prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11), e o aviso prévio à parte adversa com prazo mínimo de 72 horas antes da paralisação (art. 13). O transporte coletivo é uma atividade essencial (art. 10 da Lei de Greve), o que justifica a exigência de aviso prévio de 72 horas para que o empregador possa tomar providências e evitar a privação da população de serviços indispensáveis. A inobservância desses requisitos formais, somada à crise da pandemia, contribuiu para a conclusão de abusividade do movimento.
No tocante ao desconto dos dias parados, o entendimento consolidado do TST é que a greve declarada ilegal ou abusiva configura a suspensão do contrato de trabalho e, como regra geral, não é devido o pagamento de salário referente aos dias de paralisação. Contudo, há exceções quando a questão é negociada entre as partes ou em situações excepcionais, nas quais o período do movimento paredista pode ser enquadrado como interrupção do contrato de trabalho. Exemplos de excepcionalidades incluem a dispensa massiva de empregados ou o não cumprimento de cláusulas contratuais ou regras legais pela empresa.
A jurisprudência da SDC do TST tem admitido a compensação dos dias parados em greves de longa duração, como uma forma de evitar prejuízos econômicos e sociais excessivos aos trabalhadores, sendo comum a autorização de desconto de 50% dos dias parados e compensação dos 50% restantes.
No entanto, o TST, no presente caso, considerou a peculiaridade da greve de curtíssima duração (apenas 5 horas) e a dificuldade de mensurar o desconto salarial para tão pouco tempo. O Regional havia afastado o desconto salarial também pela impossibilidade de individualizar a responsabilidade dos empregados e pela ausência de comprovação de assembleia geral regular. O TST, porém, vislumbrou que o Sindicato patronal (GVBUS) possui condições de identificar os grevistas por meio de fotos e registros de ponto, e pela informação de que alguns ônibus saíram das garagens antes do início da paralisação, indicando que nem toda a categoria aderiu.
Diante dessas particularidades, o TST reformou parcialmente a decisão do Regional para admitir a compensação das 5 (cinco) horas de paralisação, unicamente pelos grevistas da categoria profissional do Sindicato Recorrente (GVBUS), em vez do desconto salarial integral, a fim de evitar um “salvo-conduto, sem nenhuma sanção aos empregados”, mesmo diante da comprovada abusividade da greve. A solução da compensação foi considerada a mais justa para o caso concreto.
Decisão
A decisão final proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), no âmbito do Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo de Greve nº TST-ROT-208-53.2021.5.17.0000, foi pelo provimento parcial do recurso ordinário interposto pelo Sindicato das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBUS).
O TST, por unanimidade, decidiu admitir a compensação das 5 (cinco) horas de paralisação, unicamente pelos grevistas da categoria profissional do Sindicato Recorrente (GVBUS), e não o desconto salarial. Esta decisão reformou parcialmente o acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, que havia declarado a abusividade da greve, mas não havia autorizado o desconto do dia parado.
Os desdobramentos práticos e os efeitos jurídicos decorrentes desta decisão são os seguintes:
- Reafirmação da Abusividade da Greve: A decisão do TST manteve o reconhecimento da abusividade e ilegalidade da paralisação dos transportes coletivos promovida pelo SINDIRODOVIÁRIOS no dia 13/04/2021. A abusividade foi fundamentada na natureza política da greve, que não se enquadra nos requisitos da Lei de Greve (Lei nº 7.783/89) por inviabilizar a negociação coletiva com o empregador, e no descumprimento dos requisitos formais de deflagração do movimento (ausência de prévia tentativa de negociação, falta de comprovação de aprovação em assembleia, não garantia de serviços essenciais e ausência de aviso prévio de 72 horas).
- Manutenção da Não Incidência de Multa: A decisão do TST ratificou o entendimento do Regional de que a multa de R$100.000,00 (cem mil reais) fixada na liminar era indevida. Isso porque ficou demonstrado que o Sindicato suscitado suspendeu o movimento paredista antes mesmo de ter sido notificado da decisão liminar, afastando a hipótese de descumprimento de ordem judicial.
- Substituição do Desconto Salarial por Compensação de Horas: Este é o ponto central da reforma da decisão regional. Embora a regra geral da jurisprudência da SDC do TST seja a de que a greve abusiva ou ilegal suspende o contrato de trabalho e não gera direito ao pagamento dos salários correspondentes aos dias parados, a decisão do TST optou pela compensação das horas. A peculiaridade do caso – a greve ter durado apenas 5 (cinco) horas – foi um fator determinante para essa modulação. A dificuldade de mensurar o desconto salarial para uma duração tão curta da greve também influenciou a decisão.
- Individualização da Responsabilidade dos Grevistas: Ao contrário do que o Regional havia afirmado, o TST vislumbrou que o Sindicato patronal (GVBUS) possuía condições de identificar os grevistas. Isso poderia ser feito por meio de fotos carreadas aos autos, pela relação de motoristas de ônibus que circularam no dia da paralisação (indicando aqueles que não aderiram) e por outros documentos aptos, como folha ou registro de ponto. A compensação será aplicada “unicamente pelos grevistas da categoria profissional do Sindicato Recorrente (GVBUS)”, o que implica a necessidade de identificação desses trabalhadores.
- Precedente para Greves de Curta Duração: A decisão estabelece um precedente importante para casos de greves de curtíssima duração. Embora a abusividade seja reconhecida, a sanção não será necessariamente o desconto salarial integral, mas sim a compensação das horas paradas, a fim de evitar um “salvo-conduto, sem nenhuma sanção aos empregados”, mas também considerando as especificidades e a mensuração do prejuízo.
Em síntese, o TST buscou uma solução que, embora reconhecesse a abusividade do movimento grevista e a suspensão do contrato de trabalho inerente à greve, também considerasse as particularidades da curta duração da paralisação e a dificuldade prática de aplicar o desconto salarial proporcional. A compensação das horas trabalhadas pelos grevistas identificados foi a medida considerada mais justa, equilibrando o direito do empregador de não ser onerado e a necessidade de alguma sanção aos empregados pelo movimento abusivo, sem, contudo, impor um ônus excessivo ou de difícil operacionalização.
Referências
TST-ROT-208-53.2021.5.17.0000, SDC, rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, julgado em 13/2/2023.