- Conceito Geral: Expressão jurídica e econômica que designa a realização de um ato ou a assunção de uma obrigação sem a correspondente e imediata contrapartida real, financeira ou patrimonial que lhe sirva de lastro ou garantia. Operar “a descoberto” significa atuar sem ter a posse efetiva do bem ou valor negociado.
- Natureza Jurídica: Situação de fato com repercussões obrigacionais, que pode ser lícita ou ilícita a depender do contexto normativo. Geralmente, envolve um elemento de crédito ou de risco.
- Principais Modalidades no Direito Brasileiro
- Direito Bancário e Civil (Saldo a Descoberto)
- Conceito: Utilização de recursos em conta corrente em valor superior ao saldo disponível, mediante um limite de crédito pré-aprovado pela instituição financeira.
- Instrumentos Contratuais:
- Cheque Especial: Contrato de abertura de crédito rotativo vinculado à conta corrente de pessoa física ou jurídica, permitindo saques e pagamentos até um determinado limite. A cobertura é feita com depósitos futuros. (Resoluções CMN/Bacen).
- Conta Garantida: Modalidade de empréstimo de curto prazo, geralmente para pessoas jurídicas, em que a empresa pode sacar valores até um limite garantido por duplicatas, recebíveis ou outros ativos.
- Efeitos Jurídicos:
- Obrigação de Pagamento: O correntista assume a obrigação de restituir o valor utilizado, acrescido de juros remuneratórios, IOF e outros encargos contratuais.
- Mora e Inadimplemento: A não cobertura do saldo devedor no prazo pactuado configura mora, sujeitando o devedor às consequências legais e contratuais (juros moratórios, multa, inscrição em cadastros de inadimplentes).
- Direito do Mercado de Capitais (Venda a Descoberto / Short Selling)
- Conceito: Operação de venda de um ativo (geralmente ações) que o investidor não possui em carteira, com a expectativa de que seu preço cairá para, então, recomprá-lo a um custo menor e lucrar com a diferença.
- Mecanismo Operacional (Regulação CVM):
- Aluguel do Ativo (BTC – Banco de Títulos CBLC): O investidor (vendedor a descoberto) “aluga” o ativo de um doador (investidor de longo prazo) mediante o pagamento de uma taxa.
- Venda no Mercado: O vendedor executa a venda do ativo alugado no mercado, recebendo o valor correspondente.
- Recompra do Ativo: Para liquidar a operação e devolver o ativo ao doador, o vendedor precisa recomprá-lo no mercado.
- Liquidação: A operação se encerra com a devolução do ativo ao doador original.
- Finalidade: Especulativa (apostar na queda do preço) ou de hedge (proteger uma carteira contra movimentos de baixa).
- Riscos:
- Perda Ilimitada: Diferentemente da compra de um ativo (onde a perda máxima é o capital investido), na venda a descoberto o preço do ativo pode subir indefinidamente, tornando o prejuízo teoricamente ilimitado.
- Chamada de Margem: A bolsa de valores exige que o vendedor a descoberto deposite garantias para cobrir os riscos da operação.
- “Short Squeeze”: Um movimento súbito de alta no preço do ativo que força os vendedores a descoberto a recomprar as ações massivamente para limitar suas perdas, o que impulsiona ainda mais o preço.
- Regulamentação: Instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), notadamente a Resolução CVM nº 35/2021, e regulamentos da B3.
- Direito Empresarial (Emissão de Ações ou Debêntures a Descoberto)
- Conceito: Ato ilícito que consiste na emissão de valores mobiliários (ações, partes beneficiárias, debêntures) sem lastro ou em desacordo com os limites e requisitos legais.
- Proibição Legal (Lei nº 6.404/76 – Lei das S.A.):
- Emissão sem Lastro: Emitir valores mobiliários em quantidade superior à autorizada pelo estatuto social ou pela assembleia de acionistas.
- Preço de Emissão: Emitir ações por preço inferior ao seu valor nominal, ou sem o devido ágio em situações específicas.
- Integralização: Emitir novas ações sem que ao menos 3/4 do capital social anterior já esteja integralizado (Lei nº 6.404/76, art. 82 e art. 170).
- Consequências Jurídicas:
- Nulidade do Ato: A emissão a descoberto é nula de pleno direito.
- Responsabilidade Civil e Penal: Os administradores que praticam tais atos respondem civil e criminalmente pelos prejuízos causados à companhia, aos acionistas e a terceiros (Lei nº 6.404/76, art. 158; Lei nº 7.492/86 – Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional).
- Direito Cambiário (Saque a Descoberto)
- Conceito: Emissão de um título de crédito, como uma letra de câmbio, sem o correspondente “aceite” do sacado ou sem a provisão de fundos que deveria garantir o pagamento.
- Letra de Câmbio: O sacador emite a ordem de pagamento, mas não possui crédito junto ao sacado que justifique a emissão. Se o sacado não aceitar o título, o sacador torna-se o principal responsável pelo pagamento perante o portador.
- Cheque sem Fundos: Embora popularmente chamado de “cheque a descoberto”, a figura técnica mais próxima é a emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos, que constitui ilícito civil e pode configurar crime de estelionato (CP, art. 171, § 2º, VI), a depender da existência de dolo.
- Direito Bancário e Civil (Saldo a Descoberto)