O STJ foi chamado a resolver duas questões fundamentais que geravam grande insegurança jurídica para as operadoras de saúde:
- Qual o prazo de prescrição para a ANS cobrar o ressarcimento ao SUS? Seria o de 3 anos (previsto no Código Civil para enriquecimento sem causa) ou o de 5 anos (previsto no Decreto 20.910/32 para dívidas com a Fazenda Pública)?
- Quando começa a contar esse prazo? A contagem iniciaria na data do atendimento ao paciente no SUS, na alta hospitalar, ou somente após a conclusão do processo administrativo e a notificação da operadora para pagar?
A Decisão Definitiva do STJ (Tese Firmada)
A Primeira Seção do STJ, por unanimidade, pacificou o entendimento, estabelecendo a seguinte tese que deve ser seguida por todos os tribunais do país:
Tese do Tema 1147/STJ: “Nas ações com pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde de que trata o art. 32 da Lei 9.656/1998, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto 20.910/1932, contado a partir da notificação da decisão administrativa que apurou os valores”.
Análise Prática dos Pontos Decididos
Para facilitar o entendimento, tabelamos os argumentos e a conclusão do STJ.
Ponto em Discussão | Tese das Operadoras (Rejeitada) | Tese da ANS (Acolhida pelo STJ) | Fundamento do STJ |
Prazo Prescricional | 3 anos. Argumentavam que a cobrança se baseava na vedação ao enriquecimento sem causa, uma relação de direito privado prevista no Código Civil (art. 206, § 3º, IV). | 5 anos. Argumentava que a relação é de Direito Administrativo, envolvendo a Fazenda Pública, o que atrai a aplicação do Decreto 20.910/32. | A relação jurídica entre a ANS (autarquia federal) e a operadora de saúde é regida pelo Direito Administrativo, não pelo Direito Civil. O STJ reforçou a necessidade de isonomia, aplicando o mesmo prazo que o cidadão tem para cobrar da Fazenda Pública. |
Início da Contagem (Termo Inicial) | Data do atendimento ou da alta hospitalar. Argumentavam que o fato gerador da dívida (o dano ao erário) ocorria no momento do serviço prestado pelo SUS. | Data da notificação da decisão administrativa final. Argumentava que o crédito só se torna exigível após sua apuração e constituição definitiva. | O crédito da ANS só se torna líquido e certo (ou seja, com valor definido e pronto para ser cobrado) ao final do processo administrativo, onde a operadora tem direito à defesa. A notificação formal é o ato que dá ciência à operadora do valor exato a ser pago e, portanto, inicia o prazo para a cobrança. |
Implicações Práticas para as Operadoras
- Segurança Jurídica: A decisão encerra a discussão sobre o tema, padronizando o procedimento em todo o Brasil.
- Gestão de Passivos: As operadoras devem provisionar e gerenciar esses passivos considerando o prazo de 5 anos após a notificação, e não mais 3 anos a partir do evento.
- Foco da Defesa: A discussão judicial sobre a prescrição fica limitada à verificação de quando a notificação ocorreu. A defesa das operadoras deve se concentrar em questionar o mérito da cobrança no processo administrativo (ex: cobertura contratual, urgência/emergência, valores da Tabela TUNEP, etc.).
- Controle de Notificações: É fundamental ter um controle rigoroso e documentado do recebimento das notificações da ANS, pois elas são o marco zero para a contagem do prazo.
Quadro-Resumo: Como Agir na Prática
Situação | Ação Recomendada | Base Legal / Fundamento |
Recebimento de uma AIH (Autorização de Internação Hospitalar) para análise | O prazo prescricional para a cobrança judicial AINDA NÃO começou a contar. Este é o início do processo administrativo. | A dívida ainda não foi constituída. O prazo só começa com a notificação final. |
Recebimento da Notificação da ANS para pagamento | O prazo prescricional de 5 anos começa a contar a partir DESTA DATA. A operadora tem 15 dias para pagar (conforme Lei 9.656/98). | Decisão do STJ (Tema 1.147) e art. 32, § 3º da Lei 9.656/1998. |
Defesa em Ação Judicial de Cobrança | 1. Verificar se a ação foi ajuizada dentro dos 5 anos contados da notificação. 2. Se o prazo estiver correto, focar a defesa nos vícios do processo administrativo ou na ilegalidade da cobrança em si. | Súmula 7/STJ impede a rediscussão de provas em Recurso Especial, reforçando a importância da defesa na fase administrativa e nas instâncias ordinárias. |
Discussão sobre Multa Processual (Caso do REsp nº 1.978.155-SP) | O STJ afastou a multa por embargos de declaração protelatórios, entendendo que a oposição do recurso para fins de prequestionamento é um direito da parte (Súmula 98/STJ). | A mera oposição de embargos, sem intuito manifestamente protelatório, não justifica a multa. |