RE 760.931-DF

RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SÚMULA 331, IV E V, DO TST. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71, § 1º, DA LEI Nº 8.666/93. TERCEIRIZAÇÃO COMO MECANISMO ESSENCIAL PARA A PRESERVAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO E ATENDIMENTO DAS DEMANDAS DOS CIDADÃOS. HISTÓRICO CIENTÍFICO. LITERATURA: ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO. RESPEITO ÀS ESCOLHAS LEGÍTIMAS DO LEGISLADOR. PRECEDENTE: ADC 16. EFEITOS VINCULANTES. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO EM CASOS SEMELHANTES. 1. A dicotomia entre “atividade-fim” e “atividade-meio” é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de que as “Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das atividades que previamente consideravam como centrais” (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007). 2. A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira, de configuração das empresas, incorporada à Administração Pública por imperativo de eficiência (art. 37, caput, CRFB), para fazer frente às exigências dos consumidores e cidadãos em geral, justamente porque a perda de eficiência representa ameaça à sobrevivência da empresa e ao emprego dos trabalhadores. 3. Histórico científico: Ronald H. Coase, “The Nature of The Firm”, Economica (new series), Vol. 4, Issue 16, p. 386-405, 1937. O objetivo de uma organização empresarial é o de reproduzir a distribuição de fatores sob competição atomística dentro da firma, apenas fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em sua estrutura quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção perante terceiros no mercado, estes denominados “custos de transação”, método segundo o qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício. 4. A Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing) como modelo organizacional de desintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos de performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e serviços anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se concentre somente naquelas atividades em que pode gerar o maior valor, adotando a função de “arquiteto vertical” ou “organizador da cadeia de valor”. 5. A terceirização apresenta os seguintes benefícios: (i) aprimoramento de tarefas pelo aprendizado especializado; (ii) economias de escala e de escopo; (iii) redução da complexidade organizacional; (iv) redução de problemas de cálculo e atribuição, facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v) precificação mais precisa de custos e maior transparência; (vi) estímulo à competição de fornecedores externos; (vii) maior facilidade de adaptação a necessidades de modificações estruturais; (viii) eliminação de problemas de possíveis excessos de produção; (ix) maior eficiência pelo fim de subsídios cruzados entre departamentos com desempenhos diferentes; (x) redução dos custos iniciais de entrada no mercado, facilitando o surgimento de novos concorrentes; (xi) superação de eventuais limitações de acesso a tecnologias ou matérias-primas; (xii) menor alavancagem operacional, diminuindo a exposição da companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos fixos; (xiii) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xiii) não comprometimento de recursos que poderiam ser utilizados em setores estratégicos; (xiv) diminuição da possibilidade de falhas de um setor se comunicarem a outros; e (xv) melhor adaptação a diferentes requerimentos de administração, know-how e estrutura, para setores e atividades distintas. 6. A Administração Pública, pautada pelo dever de eficiência (art. 37, caput, da Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não importa precarização às condições dos trabalhadores. 7. O art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei nº 9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com referência a encargos trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 já reconhecida por esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese para casos semelhantes: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”. (RE 760931, Relator(a): ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26-04-2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-206 DIVULG 11-09-2017 PUBLIC 12-09-2017)

Terceirização na Administração Pública (Tema 246 de Repercussão Geral)

  • Controvérsia Central: Responsabilidade do Poder Público por débitos trabalhistas de empresa terceirizada.
    • Posição da Justiça do Trabalho (anterior ao julgado): Aplicação da Súmula 331, IV e V, do TST, que previa a responsabilidade subsidiária da Administração Pública em caso de culpa na fiscalização do contrato (culpa in vigilando).
    • Posição da Lei de Licitações: O art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que afasta, em regra, a responsabilidade da Administração pelo inadimplemento do contratado.
  • Tese de Repercussão Geral Fixada
    • Enunciado: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”.
    • Implicações da Tese
      • Afastamento da Responsabilidade Automática: A mera inadimplência da empresa contratada é insuficiente para gerar a responsabilidade da Administração Pública.
      • Necessidade de Prova da Conduta Culposa: A responsabilidade subsidiária do Poder Público não é objetiva, exigindo a comprovação de sua conduta culposa específica na fiscalização do contrato (conduta omissiva ou comissiva).
      • Ônus da Prova: Incumbe à parte reclamante comprovar a falha da Administração na fiscalização das obrigações contratuais e legais da empresa prestadora de serviços.
  • Fundamentação Jurídica Principal
    • Constitucionalidade do Art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93
      • Confirmação de Precedente Vinculante: Reiteração do entendimento firmado na ADC 16.
      • Respeito à Escolha do Legislador: A norma representa uma opção política e legislativa legítima, dentro da margem de conformação do legislador ordinário.
    • Princípios Constitucionais Invocados
      • Princípio da Eficiência (CF, art. 37, caput): Justifica a adoção de modelos de gestão, como a terceirização, que otimizem a prestação de serviços públicos.
      • Princípio da Legalidade (CF, art. 37, caput): A Administração está adstrita ao que a lei determina, e a lei (Lei 8.666/93) afasta a responsabilidade automática.
      • Livre Iniciativa e Fundamentos da Ordem Econômica (CF, arts. 1º, IV, e 170): A terceirização é uma estratégia empresarial legítima de organização e especialização.
  • Fundamentação Extra-Jurídica (Econômica e de Administração)
    • Crítica à Dicotomia “Atividade-Fim” vs. “Atividade-Meio”
      • Caráter Impreciso e Artificial: Considerada uma distinção frágil e inadequada à complexidade da economia moderna.
      • Dinâmica Empresarial: Ignora a especialização, a divisão de tarefas e a constante mutação dos objetos sociais das empresas para atender às demandas de mercado.
      • Estratégia de Organização: A cisão de atividades é uma forma de configuração empresarial, e não uma presunção de fraude.
    • Teoria da Firma (Ronald H. Coase)
      • Custos de Transação: A decisão de internalizar ou terceirizar uma atividade baseia-se na comparação entre os custos de produção interna e os custos de aquisição no mercado.
      • Objetivo: Alcançar maior eficiência produtiva e menor desperdício de recursos.
    • Teoria da Administração (Outsourcing)
      • Modelo de Desintegração Vertical: Estratégia de gestão que transfere a terceiros o fornecimento de bens e serviços.
      • Foco no “Core Business”: Permite que a organização se concentre em suas atividades principais, nas quais detém maior vantagem competitiva.
    • Benefícios da Terceirização (Listados no Acórdão)
      • Aprimoramento por especialização.
      • Ganhos de escala e escopo.
      • Redução da complexidade organizacional e dos custos fixos.
      • Estímulo à competição e maior flexibilidade de adaptação ao mercado.
      • Otimização do uso de recursos e superação de barreiras tecnológicas.
      • Redução da exposição a riscos (menor alavancagem operacional).
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