Tema 1118 de Repercussão Geral

Recurso extraordinário em que se discute à luz dos artigos 5º, II, 37, XXI e § 6º, e 97 da Constituição Federal a legitimidade da transferência ao ente público tomador de serviço do ônus de comprovar a ausência de culpa na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas aos trabalhadores terceirizados pela empresa contratada, para fins de definição da responsabilidade subsidiária do Poder Público.

O Caso Concreto

A origem do Recurso Extraordinário foi uma reclamação trabalhista movida por uma auxiliar de limpeza que prestava serviços para o Estado de São Paulo, contratada por meio de uma empresa terceirizada. Após a rescisão de seu contrato, a trabalhadora não recebeu as verbas devidas, o que a levou a acionar a Justiça. As instâncias ordinárias e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenaram o Estado de São Paulo a arcar com os pagamentos, com base na inversão do ônus da prova, ou seja, por entenderem que o Estado não comprovou ter fiscalizado adequadamente o cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada.

A Decisão do STF e a Tese de Repercussão Geral

Ao julgar o caso, o STF reformou a decisão do TST e afastou a responsabilidade subsidiária do Estado de São Paulo. A Corte firmou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 1.118), que deverá ser aplicada em todos os casos semelhantes no país:

1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.

2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.

3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974.

4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá:

(i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e

(ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.

Ponto Central da Decisão: A Administração Pública não pode ser responsabilizada subsidiariamente de forma automática pelo simples inadimplemento de encargos trabalhistas pela empresa contratada. A responsabilidade do poder público só se configura se a parte autora da ação (o trabalhador ou seu representante) comprovar a existência de comportamento negligente ou de nexo de causalidade entre o dano sofrido e uma ação ou omissão do poder público.

Tese de Repercussão Geral (Tema 1.118)Explicação Prática
1. Ônus da Prova: Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública se a condenação for baseada exclusivamente na inversão do ônus da prova. É imprescindível que a parte autora comprove a negligência ou o nexo causal.O trabalhador que acionar a Justiça terá que apresentar provas de que a Administração Pública falhou na fiscalização do contrato de trabalho. Não basta a empresa terceirizada não pagar para o Estado ser responsabilizado.
2. Comportamento Negligente: A negligência da Administração Pública fica caracterizada quando, após ser formalmente notificada sobre o descumprimento das obrigações trabalhistas, permanece inerte.Se o trabalhador, sindicato, Ministério Público ou Defensoria Pública informar oficialmente ao órgão público sobre irregularidades e nada for feito, a negligência estará configurada.
3. Segurança, Higiene e Salubridade: É responsabilidade da Administração Pública garantir condições adequadas de trabalho quando o serviço for prestado em suas dependências ou em local previamente acordado.Essa responsabilidade é direta e decorre da Lei nº 6.019/74.
4. Deveres da Administração na Terceirização: A Administração Pública deve exigir da empresa contratada a comprovação de capital social compatível e adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas, como condicionar o pagamento à quitação dos débitos do mês anterior.Essas medidas, previstas nas Leis nº 6.019/1974 e nº 14.133/2021, reforçam o dever de fiscalização e prevenção de inadimplências.

Principais Partes e Suas Responsabilidades

A tabela a seguir resume as principais responsabilidades dos envolvidos em um contrato de terceirização com a Administração Pública, de acordo com a nova decisão:

Parte EnvolvidaPrincipais Responsabilidades
Administração Pública (Contratante)Fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada. Exigir garantias e comprovações de regularidade. Agir prontamente ao ser notificada sobre irregularidades. Garantir condições de trabalho seguras e saudáveis em suas dependências.
Empresa Terceirizada (Contratada)Cumprir todas as obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias de seus funcionários. Apresentar a documentação exigida pela Administração Pública.
Trabalhador TerceirizadoProvar em juízo a falha da Administração Pública na fiscalização do contrato para que esta seja responsabilizada subsidiariamente. Notificar formalmente os órgãos competentes em caso de descumprimento de suas obrigações trabalhistas.
Sindicatos, Ministério Público e Defensoria PúblicaAtuar na defesa dos direitos dos trabalhadores, inclusive notificando a Administração Pública sobre irregularidades.

Implicações da Decisão

  • Para a Administração Pública: A decisão reforça que a responsabilidade não é automática, mas aumenta a necessidade de uma fiscalização efetiva e documentada dos contratos de terceirização.
  • Para as Empresas Terceirizadas: A decisão enfatiza que a responsabilidade primária pelo cumprimento das obrigações trabalhistas é da empresa contratada.
  • Para os Trabalhadores: A decisão impõe um ônus probatório maior, exigindo a demonstração da negligência da Administração Pública para que esta seja responsabilizada.

Legislação Pertinente

A decisão do STF está alinhada com as seguintes legislações:

NormaDispositivo RelevanteConteúdo
Lei nº 8.666/1993 (Antiga Lei de Licitações)Art. 71, § 1ºEstabelece que a inadimplência do contratado não transfere automaticamente à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento.
Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações)Art. 121Reafirma que a responsabilidade pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais é do contratado.
Lei nº 6.019/1974 (Lei do Trabalho Temporário)Art. 5º-A, § 3ºAtribui à contratante a responsabilidade de garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores.
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