Tema 246 de Repercussão Geral

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, II; e 37, § 6º; e 97, da Constituição Federal, a constitucionalidade, ou não, do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que veda a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviço.

O Ponto Central da Controvérsia

A principal questão jurídica discutida no RE 760.931 foi a possibilidade de responsabilizar subsidiariamente a Administração Pública pelo pagamento de verbas trabalhistas não quitadas por empresas prestadoras de serviços por ela contratadas. O debate girou em torno da constitucionalidade e do alcance do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 (antiga Lei de Licitações), que afasta a responsabilidade automática do Poder Público.

Antes do julgamento, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula 331, entendia que a Administração Pública possuía responsabilidade subsidiária caso ficasse demonstrada sua culpa in vigilando (falha no dever de fiscalizar) ou in eligendo (má escolha da empresa contratada). No entanto, a aplicação dessa súmula gerava insegurança jurídica, especialmente no que diz respeito à distribuição do ônus da prova.

A Decisão do STF no RE 760.931

Em 30 de março de 2017, o Plenário do STF, por maioria de votos, deu provimento parcial ao Recurso Extraordinário da União, estabelecendo um novo paradigma sobre o tema. A relatora original, Ministra Rosa Weber, foi vencida, e o Ministro Luiz Fux, que inaugurou a divergência, foi o redator do acórdão.

A Corte firmou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 246):

“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.”

Com essa decisão, o STF vedou a responsabilização automática da Administração Pública, sendo necessária a comprovação de sua conduta culposa na fiscalização do contrato para que seja condenada.

O Placar e as Correntes de Votação

O julgamento refletiu a complexidade do tema, com uma clara divisão de entendimentos entre os ministros.

Votação no RE 760.931Pela Responsabilização Condicionada à Prova de Culpa (Vencedora)Pela Manutenção da Responsabilidade com Inversão do Ônus da Prova (Vencida)
MinistrosLuiz Fux (Redator), Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Alexandre de MoraesRosa Weber (Relatora), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello
Argumento PrincipalO art. 71, § 1º, da Lei de Licitações é constitucional e veda a transferência automática de responsabilidade. A responsabilidade do Poder Público não é objetiva, mas subjetiva, exigindo a comprovação de falha na fiscalização.Cabe à Administração Pública o ônus de comprovar a efetiva fiscalização do contrato, por ser a parte com melhores condições de produzir a prova. A ausência dessa comprovação gera a presunção de culpa.

O Ônus da Prova: O Ponto-Chave da Discussão

A questão central que permaneceu após a ADC 16 e foi crucial no RE 760.931 era sobre quem recaía o ônus de provar a fiscalização (ou a falta dela).

Inicialmente, o voto da Ministra Rosa Weber, embora vencido, defendia que caberia à Administração Pública comprovar que fiscalizou devidamente o contrato. Contudo, a corrente vencedora, liderada pelo Ministro Luiz Fux, entendeu que a responsabilidade não poderia ser automática.

A controvérsia sobre o ônus da prova foi posteriormente pacificada no julgamento do Tema 1.118 da Repercussão Geral (RE 1.298.647). O STF definiu que compete ao trabalhador comprovar a culpa da Administração Pública na fiscalização do contrato para que haja a sua responsabilização subsidiária.

Com essa nova orientação, afastou-se a presunção de culpa do ente público, sendo necessária a comprovação efetiva, por parte do reclamante, da conduta negligente do Poder Público.

Implicações Práticas da Decisão

A decisão no RE 760.931 e a posterior definição do ônus da prova no Tema 1.118 trouxeram maior segurança jurídica para a Administração Pública, mas também estabeleceram novos desafios para os trabalhadores terceirizados.

Para a Administração Pública:

  • Não há responsabilidade automática: A mera inadimplência da empresa contratada não gera, por si só, a responsabilidade do ente público.
  • Dever de fiscalização: A Administração tem o dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada. A omissão nesse dever pode gerar sua responsabilização.
  • Necessidade de documentar a fiscalização: É fundamental que a Administração Pública mantenha registros detalhados de todos os atos de fiscalização realizados ao longo do contrato.

Para os Trabalhadores Terceirizados:

  • Ônus de provar a falha na fiscalização: Para que a Administração Pública seja responsabilizada subsidiariamente, o trabalhador precisa comprovar que houve falha ou omissão do ente público em seu dever de fiscalizar o contrato.
  • Produção de provas: Torna-se crucial para o trabalhador reunir documentos e outros meios de prova que demonstrem a negligência da Administração, como a ausência de resposta a notificações sobre irregularidades.

Para as Empresas Prestadoras de Serviços:

  • Responsabilidade primária: A empresa contratada continua sendo a principal responsável por todas as obrigações trabalhistas de seus empregados.
  • Fiscalização mais efetiva: A decisão incentiva a Administração Pública a realizar uma fiscalização mais rigorosa, o que pode levar a uma maior cobrança sobre as empresas contratadas para o cumprimento de suas obrigações.

O julgamento do Recurso Extraordinário 760.931 pelo STF, complementado pela tese firmada no Tema 1.118, estabeleceu que a responsabilidade da Administração Pública por débitos trabalhistas de terceirizados é subjetiva e condicionada à comprovação de sua culpa na fiscalização do contrato. A decisão afastou a responsabilidade automática e definiu que o ônus de provar a falha na fiscalização recai sobre o trabalhador. Este entendimento exige da Administração Pública uma postura diligente na gestão de seus contratos de terceirização e, dos trabalhadores, uma atuação probatória mais robusta para garantir seus direitos.

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