O Ponto Central da Controvérsia
A principal questão jurídica discutida no RE 760.931 foi a possibilidade de responsabilizar subsidiariamente a Administração Pública pelo pagamento de verbas trabalhistas não quitadas por empresas prestadoras de serviços por ela contratadas. O debate girou em torno da constitucionalidade e do alcance do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 (antiga Lei de Licitações), que afasta a responsabilidade automática do Poder Público.
Antes do julgamento, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula 331, entendia que a Administração Pública possuía responsabilidade subsidiária caso ficasse demonstrada sua culpa in vigilando (falha no dever de fiscalizar) ou in eligendo (má escolha da empresa contratada). No entanto, a aplicação dessa súmula gerava insegurança jurídica, especialmente no que diz respeito à distribuição do ônus da prova.
A Decisão do STF no RE 760.931
Em 30 de março de 2017, o Plenário do STF, por maioria de votos, deu provimento parcial ao Recurso Extraordinário da União, estabelecendo um novo paradigma sobre o tema. A relatora original, Ministra Rosa Weber, foi vencida, e o Ministro Luiz Fux, que inaugurou a divergência, foi o redator do acórdão.
A Corte firmou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 246):
“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.”
Com essa decisão, o STF vedou a responsabilização automática da Administração Pública, sendo necessária a comprovação de sua conduta culposa na fiscalização do contrato para que seja condenada.
O Placar e as Correntes de Votação
O julgamento refletiu a complexidade do tema, com uma clara divisão de entendimentos entre os ministros.
Votação no RE 760.931 | Pela Responsabilização Condicionada à Prova de Culpa (Vencedora) | Pela Manutenção da Responsabilidade com Inversão do Ônus da Prova (Vencida) |
Ministros | Luiz Fux (Redator), Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes | Rosa Weber (Relatora), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello |
Argumento Principal | O art. 71, § 1º, da Lei de Licitações é constitucional e veda a transferência automática de responsabilidade. A responsabilidade do Poder Público não é objetiva, mas subjetiva, exigindo a comprovação de falha na fiscalização. | Cabe à Administração Pública o ônus de comprovar a efetiva fiscalização do contrato, por ser a parte com melhores condições de produzir a prova. A ausência dessa comprovação gera a presunção de culpa. |
O Ônus da Prova: O Ponto-Chave da Discussão
A questão central que permaneceu após a ADC 16 e foi crucial no RE 760.931 era sobre quem recaía o ônus de provar a fiscalização (ou a falta dela).
Inicialmente, o voto da Ministra Rosa Weber, embora vencido, defendia que caberia à Administração Pública comprovar que fiscalizou devidamente o contrato. Contudo, a corrente vencedora, liderada pelo Ministro Luiz Fux, entendeu que a responsabilidade não poderia ser automática.
A controvérsia sobre o ônus da prova foi posteriormente pacificada no julgamento do Tema 1.118 da Repercussão Geral (RE 1.298.647). O STF definiu que compete ao trabalhador comprovar a culpa da Administração Pública na fiscalização do contrato para que haja a sua responsabilização subsidiária.
Com essa nova orientação, afastou-se a presunção de culpa do ente público, sendo necessária a comprovação efetiva, por parte do reclamante, da conduta negligente do Poder Público.
Implicações Práticas da Decisão
A decisão no RE 760.931 e a posterior definição do ônus da prova no Tema 1.118 trouxeram maior segurança jurídica para a Administração Pública, mas também estabeleceram novos desafios para os trabalhadores terceirizados.
Para a Administração Pública:
- Não há responsabilidade automática: A mera inadimplência da empresa contratada não gera, por si só, a responsabilidade do ente público.
- Dever de fiscalização: A Administração tem o dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada. A omissão nesse dever pode gerar sua responsabilização.
- Necessidade de documentar a fiscalização: É fundamental que a Administração Pública mantenha registros detalhados de todos os atos de fiscalização realizados ao longo do contrato.
Para os Trabalhadores Terceirizados:
- Ônus de provar a falha na fiscalização: Para que a Administração Pública seja responsabilizada subsidiariamente, o trabalhador precisa comprovar que houve falha ou omissão do ente público em seu dever de fiscalizar o contrato.
- Produção de provas: Torna-se crucial para o trabalhador reunir documentos e outros meios de prova que demonstrem a negligência da Administração, como a ausência de resposta a notificações sobre irregularidades.
Para as Empresas Prestadoras de Serviços:
- Responsabilidade primária: A empresa contratada continua sendo a principal responsável por todas as obrigações trabalhistas de seus empregados.
- Fiscalização mais efetiva: A decisão incentiva a Administração Pública a realizar uma fiscalização mais rigorosa, o que pode levar a uma maior cobrança sobre as empresas contratadas para o cumprimento de suas obrigações.
O julgamento do Recurso Extraordinário 760.931 pelo STF, complementado pela tese firmada no Tema 1.118, estabeleceu que a responsabilidade da Administração Pública por débitos trabalhistas de terceirizados é subjetiva e condicionada à comprovação de sua culpa na fiscalização do contrato. A decisão afastou a responsabilidade automática e definiu que o ônus de provar a falha na fiscalização recai sobre o trabalhador. Este entendimento exige da Administração Pública uma postura diligente na gestão de seus contratos de terceirização e, dos trabalhadores, uma atuação probatória mais robusta para garantir seus direitos.