Tema Repetitivo 414

Proposta de Revisão de Entendimento firmado em tese repetitiva firmada pela Primeira Seção relativa ao Tema 414/STJ, quanto à forma de cálculo da tarifa progressiva dos serviços de fornecimento de água e de esgoto sanitário em unidades compostas por várias economias e hidrômetro único, após a aferição do consumo.

Por anos, condomínios e concessionárias de saneamento travaram uma batalha nos tribunais sobre a forma correta de calcular a conta de água em edifícios com um único medidor (hidrômetro) para múltiplas unidades (apartamentos, salas, lojas). A ausência de medição individualizada gerava distorções que resultavam em contas excessivamente altas ou indevidamente baixas, causando insegurança jurídica e financeira para todos.

A decisão do STJ no julgamento do Tema 414 (revisado), proferida em 20 de junho de 2024, põe um ponto final na questão. O Tribunal não apenas resolveu o caso específico, mas estabeleceu uma tese jurídica de cumprimento obrigatório para todos os processos semelhantes no Brasil, trazendo clareza e um novo padrão para a cobrança.

As Metodologias de Cálculo: O Coração da Disputa

Para entender a decisão, é crucial conhecer os três métodos de cálculo que estavam em disputa. A diferença entre eles impacta diretamente o bolso dos condôminos.

Tabela Comparativa das Metodologias de Cálculo de Tarifa

CaracterísticaMétodo 1: Consumo Real GlobalMétodo 2: Consumo Real Fracionado (Modelo Híbrido)Método 3: Consumo Individual Presumido ou Franqueado
Como Funciona?O condomínio inteiro é tratado como um único consumidor. O consumo total medido no hidrômetro é enquadrado nas faixas de tarifa progressiva.O consumo total do condomínio é dividido pelo número de unidades. O resultado (consumo médio) é usado para determinar a faixa de tarifa, que é então multiplicada pelo consumo total.Cada unidade (apartamento/loja) é tratada como um consumidor individual. Cada uma tem direito a uma franquia de consumo (tarifa mínima). O consumo que excede a soma de todas as franquias é cobrado separadamente.
Principal EfeitoGera contas extremamente altas, pois o alto volume de consumo rapidamente atinge as faixas mais caras da tarifa progressiva.Gera contas muito baixas, pois a divisão artificial do consumo mantém quase todas as unidades na faixa de tarifa mais barata, ignorando o custo da disponibilidade do serviço (tarifa mínima).Resulta em um valor intermediário e mais justo. Reconhece o custo fixo do serviço para cada unidade (franquia) e cobra o consumo excedente de forma progressiva sobre o total.
A Quem Beneficia?Concessionária de Saneamento.Condomínio.Equilibra a relação, garantindo a remuneração justa pelo serviço e a sustentabilidade do sistema, sem onerar excessivamente o consumidor.
Avaliação do STJILEGAL. Considerado abusivo, pois cria uma ficção jurídica que trata múltiplos consumidores como um só, gerando enriquecimento sem causa para a concessionária e desvantagem excessiva para os condôminos.ILEGAL. Considerado um “hibridismo de regras” sem amparo legal. Cria um subsídio indevido para os condomínios, tratando-os de forma anti-isonômica em relação a outros consumidores e comprometendo a sustentabilidade financeira do serviço.LEGAL. Considerado o método mais adequado, pois se alinha às diretrizes da Lei 11.445/2007. Garante isonomia, pois trata cada unidade de forma semelhante a uma residência com medidor individual no que tange à tarifa mínima.

A Decisão Final do STJ: A Nova Tese Vinculante (Tema 414 Revisado)

O STJ, ao reavaliar o Tema 414, estabeleceu um novo paradigma, consolidado em três teses de aplicação obrigatória:

  1. É LÍCITA a cobrança composta por uma PARCELA FIXA (“tarifa mínima”) por unidade consumidora, mais uma PARCELA VARIÁVEL sobre o consumo que exceder a soma das franquias de todas as unidades.
    • Tradução: A concessionária pode (e deve) cobrar o valor da tarifa mínima de CADA apartamento ou sala. Se o consumo total do prédio ultrapassar a soma de todas essas “mínimas”, o excedente será cobrado na faixa de tarifa correspondente.
  2. É ILEGAL a adoção da metodologia de cálculo pelo CONSUMO REAL GLOBAL, que considera o condomínio como uma única unidade de consumo.
    • Tradução: Está proibido tratar o prédio todo como um único “superconsumidor”. Essa prática foi considerada abusiva.
  3. É ILEGAL a adoção da metodologia de cálculo que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos (MODELO HÍBRIDO), isenta cada unidade de consumo do pagamento da tarifa mínima.
    • Tradução: Também está proibido o método que divide o consumo total para obter uma média e escapar da cobrança da tarifa mínima por unidade.

Modulação dos Efeitos: O Que Acontece com o Passado e o Futuro?

Entendendo que a mudança de jurisprudência poderia criar situações injustas, o STJ definiu regras de transição. A situação do seu condomínio dependerá de como a cobrança vinha sendo feita.

Tabela Prática da Modulação de Efeitos

Cenário do CondomínioComo a conta era calculada ANTES da decisão?O que acontece AGORA?O condomínio tem direito a REEMBOLSO?A concessionária pode cobrar VALORES RETROATIVOS?
Cenário APelo método do Consumo Real Global (valores muito altos).A concessionária deve alterar imediatamente o método de cobrança para o novo modelo legal (tarifa mínima por unidade + variável).SIM. O condomínio tem direito a ser ressarcido pelos valores pagos a mais, respeitado o prazo prescricional. A restituição pode ser por compensação em contas futuras.NÃO.
Cenário BPelo Modelo Híbrido, geralmente por força de uma decisão judicial anterior.A concessionária pode alterar a cobrança para o novo modelo legal, o que provavelmente resultará em aumento no valor da conta.NÃO. Os valores pagos a menor no passado não precisam ser devolvidos pelo condomínio.NÃO. A concessionária está proibida de cobrar a diferença retroativa, protegendo a confiança que o condomínio tinha na decisão judicial anterior.
Cenário CPelo método do Consumo Individual Presumido (tarifa mínima por unidade).Nenhuma alteração. O método de cobrança já estava correto e foi validado pela decisão do STJ.NÃO. Ações judiciais que buscavam anular este método de cobrança serão julgadas improcedentes.NÃO.

Dados Oficiais

TESE FIRMADA

1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.

2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).

3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.

ANOTAÇÕES NUGEPNAC

RRC de Origem (art. 1.030, IV e art. 1.036, §1º, do CPC/15).
Em sessão eletrônica iniciada em 10/11/2021 e finalizada em 16/11/2021, a Primeira Seção, por unanimidade, afetou os REsp’s 1.937.887/RJ e 1.937.891/RJ para revisão da tese firmada no Tema Repetitivo 414/STJ.
Designação de audiência pública, com fundamento no art. 1.038, II, do CPC, no art. 20 da LINDB, e no art. 185, I, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), que será realizada no dia 5/10/2023, nos termos do despacho publicado no DJe de 28/8/2023.
Vide Controvérsia 307/STJ.
IRDR 0045842-03.2020.8.19.0000/RJ (TJRJ)

Modulação de efeitos:

O Ministro Relator Paulo Sérgio Domingues lavrou o acórdão consignando o seguinte: 

(…) “8. Evolução substancial da jurisprudência que bem se amolda à previsão do art. 927, § 3º, do CPC, de modo a autorizar a parcial modulação de efeitos do julgamento, a fim de que às prestadoras dos serviços de saneamento básico seja declarado lícito modificar o método de cálculo da tarifa de água e esgoto nos casos em que, por conta de ação revisional de tarifa ajuizada por condomínio, esteja sendo adotado o “modelo híbrido”. Entretanto, fica vedado, para fins de modulação e em nome da segurança jurídica e do interesse social, que sejam cobrados dos condomínios quaisquer valores pretéritos por eventuais pagamentos a menor decorrentes da adoção do chamado ?modelo híbrido?.

9. Nos casos em que a prestadora dos serviços de saneamento básico tenha calculado a tarifa devida pelos condomínios dotados de medidor único tomando-os como um único usuário dos serviços (uma economia apenas), mantém-se o dever de modificar o método de cálculo da tarifa, sem embargo, entretanto, do direito do condomínio de ser ressarcido pelos valores pagos a maior e autorizando-se que a restituição do indébito seja feita pelas prestadoras por meio de compensação entre o montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa de saneamento devida pelo condomínio, até integral extinção da obrigação, respeitado o prazo prescricional. Na restituição do indébito, modulam-se os efeitos do julgamento de modo a afastar a dobra do art. 42, parágrafo único, do CDC, à compreensão de que a dinâmica da evolução jurisprudencial relativa ao tema conferiu certa escusabilidade à conduta da prestadora dos serviços.” (…)

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

Há determinação de suspensão dos recursos especiais ou agravos em recursos especiais em segunda instância e/ou no STJ cujos objetos coincidam com o da matéria afetada (Acórdão publicado no DJe de 29/11/2021).

ENTENDIMENTO ANTERIOR

Tese firmada pela Primeira Seção no julgamento do REsp 1.166.561/RJ, acórdão publicado no DJe de 5/10/2010, que se propõe a revisar: Não é lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido.

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